sexta-feira, 28 de novembro de 2014

O Povo Xukuru propõe uma alternativa de vida: a Agricultura do Bem-Viver

Para o agrônomo e liderança indígena Iran Neves 
a salvação do planeta estará na sabedoria ancestral
dos povos originários.
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 Foto: CIMI
Está ocorrendo na Aldeia de Canabrava o II Encontro Urubá Terra, do povo da etnia Xukuru Urubá, no município de Pesqueira, Pernambuco. Esse encontro discutirá a agricultura do bem-viver como um projeto de vida, com seus princípios e valores de base ecológico-ancestral, numa luta histórica contra o etnogenocídio. Durante o evento ocorrerá a feira de sementes tradicionais.  A Rel-UITA dialogou com Iran Neves Ordonio, liderança Xukuru do Orubá, formado em Agronomia, com especialização em Pesca Agrícola e mestrado em Ciência do Solo.
Povo Xuruku ocupa hoje uma área de 27.525 hectares e sua organização social possui os Conselhos Indígenas para a agricultura, a saúde, e a educação. No caso, o liderança Iran Neves Ordonio está no conselho indígena para a agricultura.
-Como surgiu a ideia de fazerem esse encontro, que já está na sua segunda edição?
-O despertar para a agricultura como modo de vida faz parte do tradicional projeto de vida Xukuru. Portanto, neste evento não se discute agricultura, discute-se um projeto de vida, com os princípios e valores do modo de vida ancestral. E, ao mergulharmos no tempo, na memória dos anciões, percebemos que a agricultura permeia praticamente todas as falas, etapas e processos de luta.  E que essa agricultura é bem diferente da agricultura comercial.
-Como é a agricultura Xukuru, se comparada com a convencional?
-A agricultura Xukuru, ancestral, é um princípio organizador, um fundamento do bem-viver. Agora, se a compararmos com a convencional, percebemos que esta última não está fundamentada em princípios, nem em valores. Está voltada para uma relação puramente comercial, resume-se em uma atividade econômica. Ou seja, planta-se e se produz para o mercado.
Já a agricultura do bem-viver alerta para o fato de que no plantar e colher existe um mundo de relações, saberes e atividades entre as pessoas e a natureza. Nossa agricultura não é comércio, portanto não pode ser permitido o uso de agrotóxicos, de agroquímicos, nem qualquer outro tipo de desrespeito à natureza.
O agricultor comercial pensa: “eu entrei pra plantar, a natureza vai ter que sair”. Mas não vamos permitir isso, por conseguinte esta é uma luta pelos nossos princípios.
-E nessa luta por seus princípios, como fica a questão do agronegócio?
-O que estamos vivenciando e promovendo neste evento é totalmente antagônico à bandeira do agronegócio. Porque o agronegócio pega os elementos que para nós são do bem-viver, de usufruto coletivo, de identidade, de relações psicológico-espirituais, e os transforma em mercadorias.
Toda e qualquer riqueza proveniente da natureza, como por exemplo, a água, para o agronegócio é um produto. A terra é um bem privado que pode ser comercializado e vendido.
O agrotóxico é utilizado de maneira indiscriminada, como se fosse uma verdade absoluta que para plantar é preciso de agrotóxico. O agrotóxico é de fato uma consequência dessa relação destrutiva, desrespeitosa, antiética e indecente, que o sistema tem com a própria natureza.
-Você diz isso como agrônomo também?
-Com certeza! Foi estudando agronomia, indo a fundo no estudo das ciências agrônomas, que eu concluí que o agronegócio na realidade é uma grande mentira, movida apenas por interesses puramente políticos e econômicos. O agronegócio é apenas mais uma forma de manter o sistema capitalista e favorecer os grandes empreendimentos e as grandes transnacionais que comandam as relações econômicas no mundo.
Portanto, a nossa visão com relação ao agronegócio é extremamente crítica, e não uma critica burra, um ativismo superficial. Nosso alerta tem base e convicção também científica e acadêmica. Esse sistema atual é inviável, e já está em crise. É só uma questão de tempo.
-E neste encontro vocês oferecem soluções para esta crise atual e inevitável?
-Nesse encontro estamos exatamente divulgando e oferecendo uma alternativa para o mundo, que é de base ecológico-ancestral.
-Como assim?
-Estamos divulgando e oferecendo ao mundo um modo de vida, porque não estamos falando aqui só de plantar. Trata-se de toda a simbologia, todo rito e todo mito que leva ao plantar e às outras relações. Quando a gente fala em ancestral é como se a gente imaginasse e fizesse uma viagem no tempo para recuperar os saberes ancestrais.
Uma cosmovisão
A Materialização do encantamento
-E como vocês viajam no tempo?
-Revivendo e relembrando a nossa memória, principalmente a nossa memória oral. Através da fala e do diálogo de saberes com os nossos anciões. E aí surge também uma coisa que pode ser difícil para muita gente entender, que é a relação com a nossa espiritualidade.
Muitas de nossas decisões são baseadas num diálogo com o mundo espiritual e com a nossa religiosidade, que nos orienta e nos indica a praticar determinada atividade ou a proceder de determinada maneira.
Ou seja, nós temos um mundo encantado, um mundo sobrenatural, um mundo da nossa religião e da nossa espiritualidade, que nos orienta. E quando a gente coloca isso na prática, efetiva isso, a gente está materializando o mundo encantado. Ou seja, materializando o encantamento.
-Mas vocês também precisam lutar contra a colonização, não é?
-Claro! Nós estamos vindo de um processo violento de colonização e de invasão. Não só das nossas terras, do espaço sagrado, mas também invasão dos nossos mitos. Precisamos descolonizar e desconstruir aquilo que a sociedade, o sistema e o Estado colocaram como verdade.
É como se dividissem o mundo em duas áreas. De um lado está o que a ciência moderna valida e do outro o que ela invalida. Isso levou e leva ao etnogenocídio, que é a morte dos saberes ancestrais. Mesmo que para determinados povos seus saberes também sejam modos de ser, de marcar uma identidade.
-E qual seria então o caminho para evitar esse etnogenocídio?
-Promovendo a agricultura do bem-viver como um projeto de vida. A terra não é para nós um meio de produção, é um meio de vida. E só viveremos na Terra, se cuidarmos dela. Uma liderança nossa diz assim: “Nós somos natureza”. Nós temos que ter essa compreensão. Não somos nós de um lado e a natureza do outro. Portanto, defender uma cultura do bem-viver é também defender a nossa própria existência.
-Esse encontro também traz com ele algum recado aos nossos governantes e à presidenta Dilma em especial?
-Gostaríamos de dizer para o Estado, para os governantes e para a sociedade como um todo que a gente precisa lutar e defender a diversidade. Os governantes precisam respeitar os povos, respeitar os seus saberes, respeitar as suas formas de vida, e principalmente respeitar a Constituição. Alerto também que os princípios, valores e direitos originários surgiram bem antes da Constituição. E o Estado precisa compreender isso.
Devolver a terra ao índio não é um empecilho para o desenvolvimento. Até porque o desenvolvimento puramente econômico é um suicídio do mundo como um todo. Devolver a terra aos povos indígenas significa o resguardo daqueles saberes que darão ao mundo uma nova chance de continuar neste planeta. Pois, a salvação do planeta, ou um dos caminhos para isto, estará na sabedoria ancestral dos povos originários. A sociedade como um todo tem muito que aprender com os saberes ancestrais dos nossos povos.

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Rel-UITA
28 de novembro de 2014

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