quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Ameaça aos Direitos Indígenas: 25 anos da Constituição Federal

O Seminário "Ameaça aos Direitos Indígenas: 25 anos da Constituição Federal", ocorrerá esta semana, na sexta-feira, dia 27 de setembro, às 10h da manhã, no Auditório do Memorial Darcy Ribeiro ("Beijódromo") no Campus Universitário homônimo da UnB.

O objetivo da atividade é esclarecer o público universitário sobre a conjuntura de ameaça aos direitos indígenas, às vésperas da Constituição Federal comemorar 25 anos, e dar visibilidade à resistência indígena, convocando todxs a solidarizar-se com - e engrossar - a Semana da Mobilização Nacional Indígena.

Será exibido o vídeo documentário Mineração em Terras Indígenas, que retrata a mobilização indígena e em prol dos direitos indígenas durante a Assembleia Nacional Constituinte. Em seguida,
falarão os seguintes expositores:

- Cleber Buzatto [1] (Secretário
Executivo do CIMI);
- Márcio Santilli (Coordenador do Programa Política
e Direito Socioambiental do ISA); e
- Sonia Bone Guajajara [2]
(Coordenação da APIB).

Ao final, serão socializadas informações sobre os diferentes atos e manifestações públicas agendadas no Brasil e, principalmente, em Brasília e na UnB para a próxima semana.

Solicitamos a mais ampla divulgação dessa iniciativa nas listas de discussão e redes sociais.

Links:
------
[1]
https://www.facebook.com/cleber.buzatto.3?directed_target_id=0
[2]
https://www.facebook.com/soniaguajajara?directed_target_id=0

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Moção de Apoio a Edson Kayapó


Continua valendo a pena...

Caro(a) Leitor(a)

Esta postagem tem um sentido (um pouco) diferente de todas aqui registradas. Diz respeito a um momento muito pessoal, e que, talvez, num outro momento mais propício de tempo e paz eu retome a ampliar e dissertar a respeito do que vou anunciar abaixo -, de acordo com o desfecho de uma situação acontecida ontem, de noitinha. Poucos amig@s e familiares souberam. Vivi mais um inferno astral. Contudo, venci. Porque...
  • Continua valendo a pena ser honesto;
  • Contunua valendo a pena acreditar no ser humano;
  • Continua valendo a pena ser cordial;
  • Continua valendo a pena falar a verdade...
Não desejo a ninguém o que passei, entretanto, desejo a todos o que conquistei.
O que conquistei não se compra e nem se vende.
  • Continua valendo a pena ser honesto;
  • Contunua valendo a pena acreditar no ser humano;
  • Continua valendo a pena ser cordial;
  • Continua valendo a pena falar a verdade...

    Minha gratidão aos poucos amig@s e familiares que tomaram conhecimento do circunscrito.
    Eles ficarão em minha memória e na minha gatidão!!!

    Semana Nacional de Mobilização Indígena

    Queridos/as.

    A Constituição Federal completa 25 anos no próximo dia 05 de outubro - quando eu, por força dessas coincidências do devir, inteiro 48 anos. Uma Constituição construída não pela "intenção do legislador" - como dissimula o juridiquês; mas pela resistência e luta dos que pelejaram pela democratização do país, em especial das associações, dos sindicatos, dos movimentos sociais e populares. Uma Constituição que, à época, o PT não assinou, por considerar - como muitos de nós - que ela poderia ter sido ainda mais ousada, mais avançada e mais cidadã, incorporando as propostas oriundas das ruas, das emendas populares - como a figura de desapropriação por interesse social, pedra de toque do que poderia ter sido uma reforma agrária. Vinte e cinco anos são uma geração. Tempo suficiente para todos nós termos amadurecido e reconhecermos, hoje, o significado e as repercussões da nossa lei maior para a consolidação de muitos direitos (humanos, econômicos, sociais, culturais e ambientais) nos marcos regulatórios infraconstitucionais, que estão na base de muitas conquistas atuais.

    É assim que na semana de 30 de setembro a 05 de outubro próximo, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) está convocando uma mobilização nacional em defesa da Constituição Federal (ver http://mobilizacaonacionalindigena.wordpress.com/2013/08/26/12/ [1]) contra o mais organizado e sistemático ataque que ela está sofrendo desde a sua promulgação há 25 anos atrás. Um ataque articulado por poderosíssimos grupos econômicos contra os direitos constitucionais de grupos vulneráveis e subalternos: os povos indígenas, os quilombolas, outros povos e comunidades tradicionais; e, se pudermos dizer assim, contra os direitos da natureza, da própria biodiversidade. Um ataque articulado por representantes do agronegócio, do hidronegócio e das grandes corporações do setor de energia e mineração, que contam ora com o apoio explícito, ora com a omissão, ora com a conivência e/ou cumplicidade envergonhada do atual governo, e que visa desconstituir os territórios da diversidade no país para abri-los ao jogo dos seus interesses e à sua exploração. São um conjunto tão grande de medidas legislativas e executivas, que se eu começasse a enumera-las aqui, demoraria alguns dias para listar todas e explicar os seus significados subjacentes e repercussões. Conto com a curiosidade e inteligência de vocês para ir atrás das informações, a partir do que já consta no blog acima mencionado.

    Assim sendo, não se enganem: a semana de mobilização nacional que está sendo convocada pela APIB não se destina a defender direitos de s egmentos específicos da sociedade, como se tratasse uma luta parcial, paroquial e corporativa. O que está em jogo é um processo de mudança no nosso marco regulatório maior articulado à mudança de outros "códigos" - algumas já dadas como concluídas (como os casos dos Códigos Civil e Florestal) e outras ainda em curso (como o caso do novo Código de Mineração) - que visa transformar de modo substantivo o substrato do país em que vivemos. Por conseguinte, na primeira semana de outubro, nas mobilizações de indígenas, quilombolas e outras pela manutenção de seus direitos constitucionais, uma concepção de país estará em jogo.

    O poder hegemônico aposta em um país composto como uma colcha empobrecida de meia dúzia de retalhos mais ou menos homogêneos (pastos ineficientes e/ou degradados, desertos verdes de eucalipto e soja, lagos de hidrelétricas, montanhas reviradas em minas a céu aberto, lagos de decantação de rejeitos m inerais e petrolíferos), costurados por uma rede de eixos de integração (dutos inseguros de diferentes tipos, estradas mal pavimentadas, hidrovias em rios assoreados), desenhando um futuro ancorado em uma economia primarizada e no extrativismo industrial de baixo input tecnológico (exploração intensiva dos recursos naturais e extensiva da terra), e dependente de uma legislação flexível que reduza seus custos de transação. Esse cenário é o deserto do real, no qual temos muito pouco a aprender e compartilhar; apenas a mimetizar e a reproduzir como ventrículos autômatos. Economia perdulária e da escassez.

    Por sua vez, os "grupos participantes do processo civilizatório nacional" (assim a Constituição os definiu em seu Art. 215), em sua grande maioria subalternos, vulneráveis e em situação de risco direto - por viverem nos sítios em que se materializam tais grandes empreendimentos - nos convidam a pensar um país cujo vigor se baseia na riqueza dos seus territórios de diversidade. Diversidade esta que se expressa em ecossistemas vitais, em múltiplas expressões culturais, em distintos regimes de conhecimento, em tecnologias resilientes e austeras, em variadas histórias de formação, de adaptação aos seus nichos e de identificação com seus territórios existenciais. Nesse cenário se descortina um universo de possibilidades, de aprendizados e de trocas, nos quais há vozes a serem ouvidas, desejos a serem partilhados, novas subjetividades a serem construídas - enfim, uma civilização a se reinventar. Economia da suficiência e da abundância.

    É isso o que já está em jogo e estará em evidência na primeira semana de outubro, como parte das "comemorações" dos 25 anos da Constituição. Não se pode deixar que este jogo seja jogado segundo as regras do maquiavelismo raso e de realpolitik ordinária, que já tomam conta do nosso cenário político a um ano da s eleições majoritárias. Deixar que isso ocorra, resignar-se ao status quo, é aceitar que os direitos desses grupos sejam imolados como moeda de barganha nas negociações rasteiras já em andamento para a manutenção dos diferentes projetos de poder - que não se confundem com projetos de país. Deixar de aderir à mobilização e abdicar de se manifestar em apoio a esses grupos na primeira semana de outubro (e além) é rebaixar-se a cúmplice da negociação de direitos humanos fundamentais entre atores que já têm tudo, mas para os quais nada basta. Como já antecipava Epicuro, "nada é suficiente para quem o suficiente é pouco"; por isso esses setores estão, agora, almejando os territórios da diversidade.

    Estou certo de que nenhum/a de vocês quer isso e encontrarão o caminho para manifestar seu apoio e sua solidariedade àquela que promete ser uma das lutas mais relevantes que
    travaremos nas próximas décadas nesse país - pois ela não começou agora e nem se encerrará em outubro próximo.

    Conto com vocês, a quem envio meus abraços fraternos e solidários.

    Henyo Trindade Barreto Filho
    IIEB
     
    Fonte: enviado por e-mail.

    terça-feira, 24 de setembro de 2013

    O Sabor do Saber Ancestral, 2013



    O Sabor do Saber Ancestral 2013
    programação

    11/11 – Segunda-feira
    09:00 - Inscrição, café da manhã e entrega do prato de najé
    09:30 – Alongamento
    10:00 – Aula com Mestre Renê
    11:30 – Preparação do almoço coletivo
    14:00 – Aula com Baixinho
    19:00 - Aula com Mestre Renê e roda restrita aos participantes do evento
    12/11 – Terça-feira
    09:00 - Aula com Mestre Renê
    11:30 – Preparação do almoço coletivo
    14:00 – Aula com Catarina
    19:00 - Aula com Mestre Renê e roda restrita aos participantes do evento
    20:30 – Festa da Bênção, no Pelourinho

    13/11 – Quarta-feira
    09:00 - Aula com Aloan
    11:30 – Preparação do almoço coletivo
    14:00 – Palestra “Cuidado Ancestral na Roda da Vida: Capoeira promovendo Saúde”, com Patricia Dantas e Tiago Parada - sanitaristas e educadores populares (MobilizaSUS/SESAB)
    19:00 – Roda de capoeira angola no Largo Dois de Julho
    14/11 – Quinta-feira
    09:00 - Aula com Mestre Ciro
    11:30 – Preparação do almoço coletivo
    14:00 – Aula com  Mestre Renê
    19:00 – Palestra “Capoeira e Candomblé, Berimbaus e Atabaques: Cultura e Religião em forma de roda”, com Augusto de Exú (Odé Aráefã),  Babakekerê (Pai-pequeno) do Ilê Asë Ibä Lögän

    15/11 – Sexta-feira
    08:00 – Aula com Cris
    09:30 – Vivência no Porto da Barra – neste feriado, aproveitaremos o dia para renovar nossas energias sob as bênçãos de Iemanjá, preparando corpo e espírito para as intensas atividades sagradas e profanas do final de semana.

    16/11 – Sábado
    09:00 – Aula pública na Feira de São Joaquim
    10:00 – Roda aberta de capoeira angola, seguida de samba de roda com participação da comunidade da Feira
    13:00 – Almoço e compra dos materiais para a realização da feijoada
    14:00 – Visita à Feira de São Joaquim, guiada por Augusto de Exu
    18:00 – Palestra “A reafricanização da capoeira em Aracaju”, com Mestre Alvinho Sucuri (mestre em ciência sociais pela UFS)
    19:00 – Roda de capoeira angola coordenada pelo Mestre Alvinho Sucuri
    17/11 – Domingo
    09:00 – Roda de capoeira angola
    12:00 – O Sabor do Saber Ancestral (feijoada)
                  Samba de Roda puxado pelo Mestre Renê e tocado por Aloan, Teixeira, Daniel e Curuzu (filho do Mestre Virgílio).
      
     
    Investimento: R$ 200,00 – com direito a participação em todas as oficinas, alojamento no local do evento, estrutura de cozinha, café da manhã de segunda e feijoada
      

     Obs: Aos não participantes das oficinas que compartilharão da feijoada, solicitamos uma contribuição para reforma do Terreiro do Caboclo Boiadeiro Filhos de Andaraí da Pedra Preta.

    Fonte:

    quinta-feira, 19 de setembro de 2013

    José da Hora, nosso violeiro foi fazer folia noutras dimensões. E a salvaguarda?



                                                   



    Hoje, 19 de setembro de 2013, em nota veiculada em algumas mídias do município de Simões Filho -, a Secretaria Municipal de Cultura de Simões Filho – SEMUC informou sobre o falecimento do Sr. José Moura, 79 anos, acontecido nesse dia às 09h40, no município de Camaçari. O Corpo será velado na Escola Maria Amélia em Palmares e será sepultado amanhã, 20 de setembro, às 09h00, no Cemitério São Miguel em Simões Filho.


    Moura era conhecido pelo apelido de “Da Hora”. Nos folders que divulgávamos seu nome compondo o elenco da Dança de São Gonçalo, Dança de Engenho ou da Queima das Palhinhas, Reisados, etc. - aparecia, geralmente, como José da Hora. Ele era o violeiro mais antigo da principal manifestação cultural do Quilombo Pitanga de Palmares em Simões Filho, ou seja, Dança de São Gonçalo.

    Conheço essa comunidade desde 1986 quando o escritor e teatrólogo Nelson de Araújo viera a Simões Filho registrar a Dança de São Gonçalo no primeiro tomo I da sua obra de três tomos, intitulada  “Pequenos Mundos - Uma Panorâmica da Cultura Popular na Bahia".

    Desde aquele ano, em diálogo com o professor Nelson de Araújo, Bernadete Pacífico e com o mestre popular Matias dos Santos que, acolhido também pelos devotos e devotas de São Gonçalo - passei a contribuir com esse cultivo junto a essa comunidade. Foi assim que conheci o violeiro meio faceiro, aquietado e tímido e às vezes - meio arredio, o "Da Hora", esposa de Maximiana  ou Máxima que atua nessa manifestação como Cantadora das loas.

    Salvagurda.

    "Da Hora" fará muita falta. Por mais que nos esforçássemos - ele não deixou "herdeiro" para a sua viola e para as notas das loas que tirava junto aos cantos de Seo Alberto, D. Bernadete e D. Máxima, entre os demais cantantes. Essa tem sido a minha particular e maior angústia e sonho: criar oficinas de passagem desses saberes e fazeres para as novas gerações contando com as ensinanças desses guardiões e guardiães ainda vivos e fortes.

    Esses corpos da cultura popular que cantam, dançam, rezam, bordam, esculpem, contam histórias - trazem uma ancestralidade que precisa ser valorizada. Trazem um saber que vai esmaecendo ante a velocidade desigual da globalização. Esses corpos precisam do abraço de outros corpos que os fortaleçam na passagem de novos ritos para que as novas gerações reinventem o seu ser e estar sem serem engolidos, estigmatizados, invisibilizados ou confinados no tempo e espaço de uma contemporaneidade impiedosa com as flores mais singelas da cultura humana.

    Os processos de salvaguarda precisam sair do dis(curso) e se colocar no curso diário da vida desses guardiões e guardiães de saberes e fazeres que estão pelos brasis afora.

    Loas da Hora

    No ponteado da viola
    Evém José Moura
    Lá vai José da Hora
    A graça da sua viola doura
    As loas
    Que boas
    louvam por Gonçalo
    e por Nossa Senhora
    Em vivas e revivas Gonçalim
    Nosso beato de toda hora
    Que cuidou de mim
    Que cuidará de você agora
    Entrando pelos céus
    Amém
    e cuidará dos seus
    E de você também
    Adeus, adeus
    Amém, amém...




    Para conhecer mais sobre a Dança de São Gonçalo e sobre o Quilombo:

    http://ademarioar.blogspot.com.br/2010/09/danca-de-sao-goncalo-no-quilombo.html

    Foto 1: "Da Hora". Foto 2: "Da Hora" e sua esposa Máxima. Créditos: Ademario Ribeiro. Foto 3. Crédito: Enviada por Binho do Quilombo.

    segunda-feira, 16 de setembro de 2013

    Agreste Psicodélico - Paêbirú: Lula Côrtes e Zé Ramalho



    Agreste Psicodélico

    A trilha em busca das origens de Paêbirú, o disco maldito de Lula Côrtes e Zé Ramalho, hoje o vinil mais caro do Brasil
     
    por Por Cristiano Bastos

    No dia 29 de dezembro de 1598, os soldados liderados pelo capitão-mor da Paraíba, Feliciano Coelho de Carvalho, encalçavam índios potiguares quando, em meio à caatinga, nas fraldas da Serra da Copaoba (Planalto de Borborema), um imponente registro de ancestralidade pré-histórica se impôs à tropa. Às margens do leito seco do rio Araçoajipe, um enorme monólito revelava, aos estupefatos recrutas, estranhos desenhos esculpidos na rocha cristalina.

    O painel rupestre se encontrava nas paredes internas de uma furna (formada pela sobreposição de três rochas), e exibia, em baixo-relevo, caracteres deixados por uma cultura há muito extinta. Os sinais agrupavam-se às representações de espirais, cruzes e círculos talhados, também, na plataforma inferior do abrigo rochoso.

    Inquietado com a descoberta, Feliciano ordenou minuciosa medição, mandando copiar todos os caracteres. A ocorrência está descrita em Diálogos das Grandezas do Brasil, obra editada em 1618. O autor, Ambrósio Fernandes Brandão (para quem Feliciano Coelho confiou seu relato), interpretou os símbolos como "figurativos de coisas vindouras". Não se enganara. O padre francês Teodoro de Lucé descobriu, em 1678, no território paraibano, um segundo monólito, ao se dirigir em missão jesuítica para o arraial de Carnoió. Seus relatos foram registrados em Relação de uma Missão do rio São Francisco, escrito pelo frei Martinho de Nantes, em 1706.

    Em 1974, quase 400 anos depois da descoberta do capitão-mor da Paraíba, os tais "símbolos de coisas vindouras" regressariam. Dessa vez, no formato e silhueta arredondada de um disco de vinil. A mais ambiciosa e fantástica incursão psicodélica da música brasileira - o LP Paêbirú: Caminho da Montanha do Sol, gravado de outubro a dezembro daquele ano por Lula Côrtes e Zé Ramalho, nos estúdios da gravadora recifense Rozemblit.

    Contar a história do álbum, longe da amálgama das pessoas, vertentes sonoras e, especialmente, da chamada Pedra do Ingá que o inspirou, é impossível. Irônico é que o LP original de Paêbirú também tenha se convertido em "achado arqueológico", assim como a pedra, 33 anos depois de seu lançamento. As histórias sobre a produção do disco, como naufragou na enchente que submergiu Recife, em 1975 e, por fim, se salvara, são fascinantes.

    A prensagem de Paêbirú foi única: 1.300 cópias. Mil delas, literalmente, foram por água abaixo. A calamidade levou junto a fita master do disco para que a tragédia ficasse quase completa. Milagrosamente a salvos ficaram somente 300 exemplares. Bem conservado, o vinil original de Paêbirú (o selo inglês Mr Bongo o relançou em vinil este ano) está atualmente avaliado em mais de R$ 4 mil. É o álbum mais caro da música brasileira. Desbanca, em parâmetros monetários (e sonoros: é discutível), o "inatingível" Roberto Carlos. O Rei amarga segundo lugar com Louco por Você, primeiro de sua carreira, avaliado na metade do preço do "excêntrico" Paêbirú.

    A expedição no rastro dos mistérios e fábulas de Paêbirú se inicia em Olinda (Pernambuco). O artista plástico paraibano Raul Córdula me recebe em seu ateliêr. Na parede do sobrado histórico, uma cobra pictográfica serpenteia no quadro pintado por ele. A insígnia foi decalcada da mesma inscrição que, há milênios, permanece entalhada na Pedra do Ingá.

    No mesmo ano de Louco por Você, 1961, o professor de geografia Leon Clerot apresentou o monumento a Córdula. O professor fizera o convite: "Me acompanhe, e verás algo que jamais se esquecerá". Uma década depois, 1972, Raul Córdula se tornou amigo de José Ramalho Neto, o jovem Zé Ramalho da Paraíba. Os conterrâneos se conheceram no bar Asa Branca, que Córdula tinha na capital, João Pessoa: "O único boteco que ficava aberto na Paraíba inteira depois das oito horas da noite, à base de 'mensalão' pago à polícia". O Zé Ramalho compositor, atesta, nascera no Asa Branca.

    Córdula quis mostrar a Ramalho "algo que conhecera", e organizou uma ida ao município de Ingá do Bacamarte, localidade conhecida antigamente como Vila do Imperador, por causa da passagem de Dom Pedro II por lá. A localização de Ingá do Bacamarte é a 85 km de João Pessoa, caatinga litorânea, na zona de transição do Agreste para o Sertão. Para "fazer a viagem", Córdula também convidou o artista recifense Lula Côrtes - jovem homem que já vivera muitas aventuras. Mas aquela, proposta por Raul, ainda não.

    Nenhuma surpresa foi para o guia o fato de Côrtes e Ramalho ficarem tão maravilhados com a rocha lavrada quanto os expedicionários do capitão-mor da Paraíba. A charada talhada na parede de pedra lançava-lhes o provocante desafio: como decifrariam tais arcanos - nunca compreendidos e tão majestosos - numa música que, se não codificasse, ao menos devesse tributar à remota ancestralidade brasileira? Fora essa a centelha que incendiara as idéias. Acampados na caatinga sertaneja, frente a frente com a Pedra do Ingá, Ramalho e Côrtes se decidiram pela produção de um "álbum conceitual".

    O único jeito de conhecer lula Côrtes é ir visitá-lo no seu habitat: o ateliêr em Jaboatão dos Guararapes. "A Pátria Nasceu Aqui", divulga a enorme placa na divisa com a capital, Recife. O apartamento onde mora, pinta e compõe com a atual banda, Má Companhia, tem vista frontal para o Oceano Atlântico.

    É no primeiro apertar de mão que Côrtes deixa patente quem é: "espírito indômito". Solta a frase para se pensar: "O mar e eu somos uma coisa só desde menino". Aos 60 anos, sua voz é profunda e roufenha. A cabeça alva, um dia revestida de pretos cabelos mouriscos. E a magra, porém resistente, compleição física remete ao obstinado homem de O Velho e o Mar. Lula tem o velho de Ernst Hemingway, entretanto, como "altruísta demais". Mais impressionado ficou com o nietzscheniano capitão Lobo Harsen, de O Lobo do Mar, romance de Jack London. Os arquétipos marítimos de London, de fato, combinam mais com ele: "Nasci à beira do mar. Ele me despertou para o cumprimento das fantasias. Nele, um dia, cacei baleias", conta, jubiloso.

    É esse homem que segue narrando a mais homérica jornada de sua vida, até agora: a concepção do álbum Paêbirú. Guiados pelo parceiro mais velho, Raul Córdula, Zé Ramalho e Lula Côrtes, recém-amigos, logo de cara perceberam a fantástica mística que as inscrições da Pedra do Ingá exerciam sobre a população às cercanias do sítio arqueológico.

    Foi por intermédio da arquiteta, hoje cineasta, Kátia Mesel, sua companheira na época, que Lula Côrtes veio a conhecer Zé Ramalho. Junto, o casal abriu o selo Abrakadabra, pioneiro na produção de música independente no Brasil. A "sede" do selo ficava nas dependências de um prédio pertencente ao pai de Kátia, que, nos tempos da escravatura, fora uma senzala de escravos.

    Para se mergulhar na saga de produção que foi Paêbirú, é obrigatório antes se falar da simplicidade do instrumental Satwa - o álbum gerido, um ano antes, por Côrtes e o violonista Lailson de Holanda.

    É o début do selo Abrakadabra. Lula faz a estréia fonográfica da sua cítara popular marroquina, o tricórdio, instrumento que trouxera da recente viagem ao Marrocos com Kátia. Em Satwa, o violão nordestino de 12 cordas de Lailson dialoga em perfeita legibilidade com o linguajar oriental do tricórdio de Lula. É, provavelmente, o encontro mais fino entre o folk e a psicodelia do qual se tem registro gravado na música brasileira.

    Lailson, premiado cartunista, traduz: "Satwa é expressão do sânscrito: quer dizer 'interface e equilíbrio'". Em 2005, a norte-americana gravadora Time-Lag Records reeditou Satwa, a partir da master original. Só o nome, na realidade, foi remodelado: Satwa World Edition. Como previsto, a edição esgotou como mágica.
    Após Satwa, Lula tinha aprimorado suas concepções musicais. Achava-se apto para o grande projeto que andara tramando com o parceiro Zé Ramalho desde a visita à "pedra encantada". Não perderam tempo e investiram em sérias pesquisas nas imediações. Eles caçavam a interpretação local, folclórica, mitológica sobre o admirável monólito escrito.

    Nas adjacências vivia um grupo de índios cariris. Os músicos foram até eles, atrás da peculiaridade do seu tipo de música. Ouvindo, descobriram que os traços de uma cultura africana tinham se fundido à sonoridade dos indígenas.

    Se fundamentado em registros arqueológicos, Zé Ramalho e Lula Côrtes concordaram que, a partir daquele ponto, haveria um caminho, que partia de São Tomé das Letras (onde existem registros da mesma escrita rupestre traçada na Pedra do Ingá) e conduzia até Machu Picchu, no Peru. A trilha que os Cariris chamavam de "Peabirú".

    Chegar à mística Pedra do Ingá, hoje em dia, é fácil. Seguindo pela BR 101, no trecho Recife - Paraíba, as condições de tráfego são admissíveis, mesmo sem via duplicada. Pela estrada federal, as pequenas localidades vão se cruzando: Abreu e Lima, Goiana, Itambé, Jupiranga, Itabaiana, Mojeiro. Tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), a Pedra do Ingá (Pedra Lavrada, ou Itaticoara) é um dos sítios arqueológicos mais soberbos do mundo. O arqueólogo Vanderley de Britto, da Sociedade Paraibana de Arqueologia, já aguarda, no local, minha chegada.

    Segundo ele, as inscrições são originárias de sociedades pré-históricas, nativos anteriores aos encontrados no Brasil pelos europeus. "Certamente, essas gravuras" , diz, apontando o imenso painel de rocha, "são obra de sacerdotes ou pajés. Visavam ritos mágico-religiosos que visavam sortilégios para tribo", Brito explica, com sua proficiência.

    Próximo à pedra, sem ter de tocá-la, o arqueólogo continua sua explanação: "As representações registram o canto mágico solfejado pelos sacerdotes nas cerimônias", prega. A pedra, na opinião do arqueólogo, seria, para os nativos, um "meio de comunicação" com os deuses (ou deusas) da natureza. A estimativa da ciência é a de que as gravações já estejam ali por volta de três a seis mil anos. "Datação exata não é possível, porque o monólito está em meio ao riacho", esclarece o professor. Vestígios, por ventura, deixados pelos gravadores, ao cinzelar a pedra, foram arrastados no trespassar das águas do ancião Araçoajipe.

    Dinossauros, o arqueólogo também confirma, habitaram a região. A probabilidade - nada prosaica - de me banhar no regato que, num dia qualquer da pré-história um tiranossauro rex sorvera metros cúbicos de água, passa agora de jornalismo a uma aventura que, com prazer, obrigo-me pôr em prática.

    A água é morna. A sensação, arrepiante. "Animais de grande porte, como a preguiça e o tatu-gigante, no período mezosóico, habitaram a região: mastodontes, cavalos nativos e outros mega-animais também circulavam por aqui", ele lembra. Submerso na tepidez do plácido regato pré-histórico, um túnel do tempo dentro de minha cabeça fazia a imaginação vagar por mundos arcaicos desaparecidos na vastidão temporal.
    De frente para o mar, lula Côrtes gosta de acreditar na epopéia interplanetária narrada em "Trilha de Sumé", a abertura de Paêbirú. "As gravações na Pedra do Ingá foram feitas com raio laser mesmo", afiança o artista, que cantarola a introdução da música, o alinhamento dos planetas: "Mercúrio/Vênus/Terra/Marte/Júpiter/Saturno/Urano/Netuno e Plutão". Os versos seguintes cantam a saga de Sumé, "viajante lunar que desceu num raio laser e, com a barba vermelha, desenhou no peito a Pedra do Ingá".

    A cada descoberta que faziam com suas explorações, Côrtes e Ramalho notavam, na variedade de lendas, que todas eram sobre Sumé - entidade mitológica que teria transmitido conhecimentos aos índios antes da chegada dos colonizadores. "Todos os indícios levavam a Sumé. Até as palmeiras da região, por lá, são chamadas de 'sumalenses'", observa Lula.

    Para "libertar" os indígenas da crença pagã, os jesuítas pontificaram Sumé como "santidade": virou São Tomé. O que explica, no Nordeste, o fato de muitos lugarejos terem sido batizados de São Tomé. "Aqui é o lugar de São Tomé!", os padres costumavam anunciar, ao chegar numa região nova.

    Na Paraíba, resta uma cidade chamada Sumé. "Seja lá quem tenha sido Sumé, o que mais se sabe, no entanto, é que muito andou por essas bandas", brinca Raul Córdula. A despeito da evangelização católica, a memória do Sumé indígena segue viva em todo o Nordeste.

    A crença indígena diz que, quando o pacifista Sumé se foi embora, expulso pelos guerreiros tupinambás daquelas terras, deixou uma série de rastros talhados em pedras no meio do caminho. Os índios acreditam que Sumé teria ido de norte a sul, mata adentro, descerrando a milenar trilha "Peabirú" - em tupi-guarani, "O Caminho da Montanha do Sol".

    O historiador Eduardo Bueno, que passou anos de sua vida "veraneando" na praia de Naufragados, no sul da ilha de Santa Catarina, conta que tomou conhecimento da trilha lendo a aventura de Aleixo Garcia, o qual, após um tempo vivendo naquela praia, fora informado da existência de uma "estrada indígena" que conduzia até o Peru.

    Após muitos verões chuvosos contemplando o lugar de onde o bravo Garcia havia partido em sua jornada épica, Bueno decidiu acompanhá-lo - mas na mente: "Mergulhei em todas as fontes que traziam relatos de sua viagem. Ficção não era. Tais fontes, embora, eventualmente, contraditórias entre si, eram da melhor qualidade". O resumo mais interessante da história, diz, é o que define Peabirú como "um ramal da majestosa Trilha Inca, que ligava Cuzco a Quito e, por sua vez, outra corruptela - de 'Apé Biru'". Em tupi-guarani, Apé significa "caminho", ou "trilha", e Biru é o nome original do Peru. Portanto, Peabirú significaria "Caminho para o Peru".

    Havia três inícios principais desse caminho: um, partindo de Cananéia (litoral sul de São Paulo) e, outro, da foz do rio Itapucu, nas proximidades da ilha de São Francisco do Sul (litoral norte de Santa Catarina). Um terceiro saia da Praça da Sé, em São Paulo, seguia pela rua Direita, dava na Praça da República, subia a Consolação, descia a Rebouças, cruzava o Rio Pinheiros e... chegava no Peru. "Fico pensando porque nos roubaram o prazer de desfrutar essa história no colégio", brinca Bueno. "Pensando bem, não foi esse o único prazer que nos roubaram, foi?"

    Muitas vezes procurado, Zé Ramalho declarou que "não quer mais falar sobre o assunto Paêbirú" - para ele, encerrado. Em algumas entrevistas, no entanto, coteja Paêbirú à Tropicália. Um dos comentários é sobre o jeito artesanal, "como se costurado à mão", que o álbum foi feito.

    Agendo uma "audição comentada" de Paêbirú no ateliêr de Lula Côrtes. Enquanto, pacientemente, pinta o quadro de um farol, vai me explicando como tornaram possível (e viável) a engenhosa gravação do disco. O álbum - duplo - é dividido em quatro lados, de acordo com os elementos Terra, Ar, Fogo e Água.

    Em "Terra", o resultado "telúrico" foi conseguido com tambores, flautas em sol e dó, congas e sax alto. "Simulamos, com onomatopéias, 'aves do céu', 'pássaros em vôo' e adicionamos o berimbau, além do tricórdio", ele conta. Contrariando a prática dos "encartes vazios", a gama de instrumentos utilizados está descrita na ficha técnica de Paêbirú.

    Efeitos de estúdio, nem pensar: "Só havia as pessoas, vozes e instrumentos", comenta o artista. Certos efeitos, como o rasgar da folha de um coqueiro, por exemplo, muitos pensaram serem eletrônicos.

    No lado "Ar", além de "conversas", "risadas" e "suspiros", selecionaram-se harpas e violas sopros para músicas como "Harpa dos Hares", "Não Existe Molhado Igual ao Pranto" e "Omm". Em "Água", as músicas têm fundo sonoro de água corrente. No mesmo lado, cantos africanos, louvações à Iemanjá e a outras entidades representativas do elemento. Na mais dançante, o baião lisérgico "Pedra Templo Animal", Lula Côrtes toca "trompas marinhas". Zé Ramalho pilota o okulelê.

    "Fogo", como adverte o nome, é a faceta incendiária de Paêbirú. A mais roqueira também. Entram sons trovejantes: o wha-wha distorcido do tricórdio e a psicopatia do órgão Farfisa em "Nas Paredes da Pedra Encantada". "Raga dos Raios" conserva-se, mais de 30 anos depois, como a melhor peça de guitarra fuzz gravada no rock nacional: "Guitarreira elétrica & nervosa de Dom Tronxo", diz a ficha técnica. Onde andará Dom Tronxo?

    O encarte sofisticado de Paêbirú é obra de Kátia Mesel. Além de designer, ela fez a produção executiva do álbum. "São mais de 20 pessoas tocando no disco - basicamente, toda a cena pernambucana e boa parte da paraibana", a cineasta enumera.

    O disco só deu certo, na opinião de Kátia, porque foi feito com a alma e a criatividade soltas. "Num estúdio de dois canais, baby? Era o playback do playback do playback! A gente se consolava: 'Se os Stones gravaram na Jamaica em dois canais, por que a gente não?' Em 'Trilha de Sumé', Alceu Valença toca pente com papel celofane. [O disco] tem desses requintes", graceja.

    Foi o zelo de Kátia, na realidade, que garantiu o salvamento de 300 cópias de Paêbirú da enchente de 1975. Ela guardara parte da tiragem na Casa de Beberibe, onde o casal morava - o ambiente em que muitas canções foram, gradualmente, tomando forma. "A sorte é que eu tinha deixado os discos no andar de cima. São esses que, atualmente, valem uma fortuna mundo afora", pontua Kátia.

    Naquele tempo, Ramalho praticamente morava com o casal na Casa de Beberibe. A concepção gráfica do álbum foi obtida após muitas idas do trio à Pedra do Ingá. Na verdade, um quarteto, já que o irmão de Kátia, o fotógrafo Fred Mesel, seguia junto em algumas viagens. "Eu filmava em Super 8 e Fred tirava fotos da pedra com filme infravermelho", ela conta. A técnica fotográfica explica a tonalidade azul-cítrica da capa e da parte interior de Paêbirú.

    Especial atenção foi dada à ficha técnica. No encarte central, fotos de todas as pessoas que participaram das gravações. Um detalhe é que todos os títulos foram montados à mão, um a um, em letra set. A diferença é que, a essa altura, Kátia era mais experiente: além de Satwa, também produzira a arte do único álbum de Marconi Notaro, No Sub Reino dos Metazoá-rios (1973). "Para lançar Paêbirú, criamos o selo Solar", acrescenta.

    As substâncias psicodélicas, obviamente, foram muito importantes durante o processo de composição. Para Lula Côrtes, no entanto, só de estar perto da Pedra do Ingá, é possível sentir o xamanismo emanando do monumento rochoso: "Comíamos cogumelos mais como 'licença poé-tica mental'", justifica o artista.

    Crosby, Stills and Nash, T-Rex, Captain Beefheart, Grand Funk Railroad e The Byrds eram as bandas mais ouvidas pelo grupo na época. Em meados da década de 1970, a maquiagem do glitter rock já estava borrada e, nos Estados Unidos, a semente punk aflorava nos buracos sujos de Nova York. A disco music ensaiava os primeiros passos de dança. Psicodelia, no mundo, era coisa ultrapassada: encapsulara-se nos remotos anos 60.

    Zé da Flauta tinha 18 anos quando conheceu Lula e Kátia. No auge da repressão, a Casa de Beberibe era o templo da liberdade e da contracultura. "Aprendi muito sobre arte. Lá se conversava sobre tudo, inclusive se fumava muita maconha", confirma Zé. Ele tocou sax na vigorosa "Nas Paredes da Pedra Encantada". "Jamais me esquecerei, aliás: foi a primeira vez que entrei num estúdio e gravei profissionalmente como músico."

    Outro que teve "participação relâmpago" foi o paraibano Hugo Leão, o Huguinho. Ele vinha das bandas The Gentlemen e os Quatro Loucos, nas quais Zé Ramalho tocava guitarra. Ramalho o chamou para participar como tecladista do "ousado projeto". Sua atuação ficou imortalizada no disco. São dele os riffs de órgão Farfisa em "Nas Paredes..."

    Para assumir a bateria, Ramalho recrutou Carmelo Guedes, outro parceiro seu nos Gentlemen. A mágica, lembra Huguinho, começou logo que entraram no estúdio. As bases foram criadas na hora, como num susto: "Cravei um tom maior: Mi! O sonho começara. Os segredos da Pedra do Ingá, finalmente, pareciam que seriam desvendados. A guinada sonora ainda ecoa pelo espaço", acredita.

    Em minha jornada, sigo para a capital paraibana. Em João Pessoa, Telma Ramalho, a prima mais jovem de Zé Ramalho, diz não esquecer uma passagem da pré-adolescência: a mãe, Teresinha de Jesus Ramalho Pordeus, professora de História, conversava com o sobrinho em seu escritório: "Zé contava a ela como se desenrolavam as gravações de Paêbirú".Uma lembrança viva é ter ouvido o disco aos 12 anos: "Não entendi nada. Só lembro de 'Pedra Templo Animal' e 'Trilha de Sumé', as mais pop", diverte-se.

    Outra memória é ter apresentado uma réplica da Pedra do Ingá na feira de ciências do colégio. A trilha sonora foi Paêbirú. "Levei a vitrolinha e botei para rodar." Telma faz a contundente revelação: "Tive caixas de Paêbirú em casa. Uma verdadeira fortuna cultural e financeira".

    Para Cristhian Ramalho, filho de Zé Ramalho e afilhado de Lula Côrtes, Paêbirú também tem significação especial: "Meu pai me levava à Pedra do Ingá quando criança. Ele ia para achar inspiração". Sem dúvida, diz Cristhian, Paêbirú e a Pedra ainda exercem influência sobre a sua obra. "Em 1975, ele escreveu uma poesia muito bonita, que diz: 'Venho de uma dessas pedras rolantes'. Houve, por parte dele, grande misticismo envolvido na minha chegada", conta, orgulhoso, o filho.

    Uma das pessoas que, na época do lançamento, compraram o álbum foi a arquiteta Terêsa Pimentel. Aos 14 anos, em 1974, ela não sabia ao certo o que procurava na sua vida. Apesar disso, sabia "o que não queria". "Ouvíamos os locais: Ave Sangria, Marconi Notaro, Flaviola & O Bando do Sol, Aristides Guimarães, o 'udigrudi' nordestino. Vendi minha bicicleta Caloi verde-água para comprar Paêbirú. Hoje, sou feliz por ter vendido a bicicleta e ter adolescido naquela atmosfera", conta. Terêsa é irmã do músico Lenine, ao qual Lula Côrtes presenteou com sua última cópia de Paêbirú, há alguns anos. "Para tirar uns samplers", diz Lula.

    De Jaboatão dos Guararapes, eu e Lula seguimos para a casa de Alceu Valença, no centro histórico de Olinda. Lula bate à porta do casarão. Festa quando Valença cruza o amplo saguão para saudar Lula, velho parceiro em Molhado de Suor, um dos seus primeiros discos.

    "A gente tocou em 'Danado para Catende', que depois virou 'Trem de Catende'", Alceu conta. "Até então Lula só compunha, mas não cantava. Fiz a cabeça do pessoal da Ariola: 'O cara é o máximo!' Na gravadora, ninguém tinha a menor idéia de quem era o cara, muito menos que fizera algo como Paêbirú."

    Souberam, no entanto, quando o álbum Gosto Novo da Vida, de Lula Côrtes, foi premiado como "a melhor venda do ano da gravadora Ariola", em 1981. Em três meses, vendeu 32 mil cópias. Depois, teve sua reedição emperrada por causa de um processo movido pela Rozemblit, que alegava plágio em uma música.
    "Foi o primeiro artista que vi fumar no palco, no Teatro João Alcântara", diz Alceu.

    Ambos riem. Lula acende um cigarro.

    "Participei de Paêbirú. Dei uns gritos lá", resume Alceu.

    "Foi na reza de 'Não Existe Molhado Igual ao Pranto'", Lula emenda.

    "O estúdio da Rozemblit tinha acústica maravilhosa. Era o ambiente mais natural possível: cheguei e fui me deitando num canto. A banda tocava. Sonolento, me espreguicei: 'Ommmmmmmm...'."

    "Foi como num mantra. Quando Alceu começou, todo mundo veio atrás e não parou mais", conclui Lula.
    É nessa tradição do "livre espírito" que Paêbirú foi realizado. No texto homônimo - uma raridade datilografada só encontrada no interior dos LPs sobreviventes da cheia e escrito depois da ingestão de cogumelos colhidos no meio do caminho -, Lula Côrtes nos dá uma última idéia da grande aventura que foi Paêbirú: "Nós caçávamos o passado, e os corações se encheram de esperança com aquela visão. O caminho que havíamos abandonado mais atrás era o das Pedra de Fogo, outro pequeno aglomerado quase sem nenhuma chance de vida. A água é muito escassa. Conversávamos sobre as pedras. E ao longo, no horizonte, o lombo prateado da Borborema desenha curvas leves, demonstrativas de sua imensa idade. Os nativos tinham mapas nos rostos, o sol lhes rachou os lábios como racha a terra, as pedras duras e afiadas que dificultavam a caminhada lhes endureceu o riso. A informação parecia estar correta. Achamos o regato e acompanhamos o sentido. A água era clara e bastante salgada. A irrealidade se apossava cada vez mais dos nossos corpos e mentes, e toda a lenda que nos havia enchido os ouvidos, até aquele dia, parecia florar de tudo."

    Fonte: http://rollingstone.uol.com.br/edicao/24/agreste-psicodelico