terça-feira, 6 de maio de 2014

Lugar do indígena (UFMG).

Com ações de formação, UFMG busca ampliar presença dessa população em seu cotidiano acadêmico


Ana Rita Araújo
Foca Lisboa
Alunos indígenas participam de ritual no saguão da Reitoria durante encontro com dirigentes da UFMG no ano passado
Alunos indígenas participam de ritual no saguão da Reitoria durante encontro com dirigentes da UFMG no ano passado

Cerca de 140 estudantes de 21 aldeias, de quatro estados brasileiros, cursam licenciatura em Formação Intercultural de Educadores Indígenas (Fiei). Além deles, desde 2010 a UFMG recebe a cada ano 12 novos alunos indígenas, em vagas suplementares, nos cursos de graduação em Medicina, Enfermagem, Odontologia, Ciências Agrárias, Ciências Sociais e Ciências Biológicas. Os dois programas foram pensados no contexto das ações afirmativas, que abrangem políticas voltadas para grupos da população antes sem acesso à universidade pública. “Acolher os estudantes indígenas é condição intrínseca do fazer universitário. É um compromisso da UFMG com Minas Gerais e com o Brasil”, afirma o reitor Jaime Ramírez.
Na opinião do professor Ruben ­Caixeta, do Departamento de Antropologia e Arqueologia, além de trazer para a UFMG outras formas de manifestação da experiência humana, a presença desses povos é uma forma de reparo pelo muito que perderam historicamente. “É também uma contribuição, pequena, mas significativa, da Universidade para a visibilidade das lutas políticas que enfrentam”, completa. No contexto das atividades tradicionalmente promovidas em aldeias e outros ambientes no mês de abril – no qual se comemora o Dia do Índio (19) –, estudantes indígenas da UFMG e a Comissão de Acompanhamento dos Estudantes Indígenas (Caei) realizaram na semana passada eventos nos campi Saúde e Pampulha. De acordo com Jaime Ramírez, o momento é adequado para que a Universidade reflita sobre o que já realiza e o quanto ainda pode fazer para acolher esse grupo social. “Estamos abrindo espaço de diálogo. Vamos ouvir, conversar, estudar as demandas, para viabilizar formas de atendê-las na Instituição”, afirma o reitor.

Desempenho

Ao final dos primeiros quatro anos, recente balanço das atividades do programa que garante vagas suplementares em seis cursos de graduação na UFMG revelou que o desempenho dos estudantes indígenas é semelhante e às vezes superior ao dos outros alunos. “Embora necessite de ajustes, a iniciativa é um sucesso. O que temos agora são desafios naturais do processo”, afirma a professora Lívia de Souza Pancrácio de Errico, do Departamento de Enfermagem Materno-infantil e Saúde Pública da Escola de Enfermagem e coordenadora da Caei. Entre tais desafios está o de ampliar a integração dos cursos com as comunidades indígenas.
Ex-coordenador da Comissão, o professor Paulo Maia, da Faculdade de Educação, comenta que os estudantes indígenas muitas vezes chegam com déficits em relação ao currículo e vivenciam dificuldades por causa das diferenças culturais, mas “logo encontram seu caminho no curso e apresentam muito bom desempenho”. Muitos deles, comenta Maia, envolvem-se em projetos de iniciação científica, produzem artigos científicos e participam de congressos em suas futuras áreas de atuação. Paulo Maia afirma ainda que a presença dos alunos indígenas torna as estruturas universitárias mais inclusivas; amplia horizontes, ao revelar o quão complexa é a sociedade brasileira; e suscita reflexões sobre o modo como os saberes tradicionais foram historicamente desvalorizados pelo conhecimento científico.
O Programa de Acesso e Permanência de Estudantes Indígenas na UFMG e a Comissão de Acompanhamento dos Estudantes Indígenas têm tido importante papel para que esses alunos alcancem o desempenho esperado, lembra a professora Lívia Errico. Outra iniciativa fundamental, segundo a coordenadora da Caei, foi a instituição de tutores – um em cada curso – que acompanham os alunos e os auxiliam quando necessário.

Para abrir o mundo

Atentas às necessidades específicas desse grupo de alunos, as comunidades e lideranças indígenas têm reivindicado a garantia de processo seletivo com formato específico, que inclua a possibilidade de fazer as provas do vestibular na língua de cada etnia. Outras demandas são moradia estudantil exclusiva, com formato que possibilite a realização de atividades próprias desse grupo, e criação de conselho consultivo indígena que auxilie a Administração da Universidade na elaboração de políticas específicas.
Pesquisadora que já em 2003 buscava revelar para a sociedade – por meio de traduções dos repertórios de cantos – o mundo dos Tikmu’un (mais conhecidos como Maxakali), a professora Rosângela Tugny, da Escola de Música da UFMG, apoia as lutas das comunidades indígenas e avalia que o momento atual é “crucial e terrível para os povos indígenas”. Segundo ela, enquanto o governo brasileiro acena com políticas públicas como escola e sistema de saúde diferenciados, não há suficiente entendimento para um trabalho condizente com as especificidades em tais áreas. “O modelo atual de desenvolvimento obstrui os processos de demarcação de terras para esses povos”, acrescenta, lembrando que “não há saúde nem cultura indígena sem um território saudável e diferenciado”.
Tugny lançou em 2013 Cantos tikmu’un: para abrir o mundo, livro para educação de escolas regulares do ensino fundamental e médio, que busca uma aproximação do pensamento e da sensibilidade dos povos Tikmu’un, por meio de seus cantos e de sua musicalidade. Segundo o professor Ruben Caixeta, a tradução de repertórios dos Maxakali foi precedida pelo Encontro Internacional de Etnomusicologia que ele e a professora Rosângela realizaram em 2000, e que redundou no livro Músicas africanas indígenas em 500 anos de Brasil.

Licenciatura

Iniciativa que abriga maior número de estudantes indígenas na UFMG, o curso Formação Intercultural de Educadores Indígenas (Fiei) é destinado à preparação de professores para atuar nas escolas das aldeias. Os alunos são oriundos de seis etnias – Xakriabá, Pataxó, Guarani, Tupiniquim, Aranã e Pankararu – com alcance em quatro estados da federação (MG, BA, RJ, ES) envolvendo estudantes de 82 escolas indígenas, distribuídas em 21 aldeias.
Sediado na Faculdade de Educação, o curso possui 140 vagas distribuídas em quatro habilitações – Ciências Sociais e Humanidades; Matemática; Ciências da Vida e da Natureza; e Línguas, Artes e Literaturas, com entrada anual alternada, sendo 35 vagas por habilitação. Em agosto de 2013, a primeira turma concluiu sua formação. Em setembro de 2014, a segunda terminará a habilitação em Matemática.
Dados levantados pelo colegiado do curso sobre ocupação de vagas e tempo de integralização “apontam o sucesso de sua implantação, com taxa de ocupação de 90%”, informa a professora Shirley de Miranda, da Faculdade de Educação e coordenadora do programa Formação Intercultural de Educadores Indígenas da UFMG. Entre as etnias presentes no curso, a Xakriabá possui o maior número de estudantes, ocupando 56,3% das vagas, seguida dos Pataxó com 38,1%. Entre os Pataxó, cerca de 90% vivem no sul da Bahia. “Apesar da distância e das dificuldades que tais estudantes enfrentam para se candidatarem à vaga, quando conseguem se inscrever, fazer a prova do vestibular e ser aprovados, eles se mantêm no curso”, pondera Shirley.
O professor Ruben Caixeta destaca o pioneirismo da UFMG ao criar, em 2006, o Programa das Licenciaturas Indígenas (Prolind), projeto-piloto que se iniciou na Faculdade de Educação e deu origem ao atual Fiei. “Quando cheguei à UFMG, em 1999, a professora Ana Lúcia Gazzola [então vice-reitora] já havia criado comissão para pensar a permanência de alunos indígenas”, relembra. Ele cita também a importância do trabalho de professoras como Maria Inês de Almeida, da Faculdade de Letras, e Ana Gomes, da Faculdade de Educação, com ações concretas que ajudaram a abrir as portas da Universidade para as populações indígenas.
Fonte: Via e-mail (Grupo ANAIND).

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