quinta-feira, 19 de setembro de 2013

José da Hora, nosso violeiro foi fazer folia noutras dimensões. E a salvaguarda?



                                               



Hoje, 19 de setembro de 2013, em nota veiculada em algumas mídias do município de Simões Filho -, a Secretaria Municipal de Cultura de Simões Filho – SEMUC informou sobre o falecimento do Sr. José Moura, 79 anos, acontecido nesse dia às 09h40, no município de Camaçari. O Corpo será velado na Escola Maria Amélia em Palmares e será sepultado amanhã, 20 de setembro, às 09h00, no Cemitério São Miguel em Simões Filho.


Moura era conhecido pelo apelido de “Da Hora”. Nos folders que divulgávamos seu nome compondo o elenco da Dança de São Gonçalo, Dança de Engenho ou da Queima das Palhinhas, Reisados, etc. - aparecia, geralmente, como José da Hora. Ele era o violeiro mais antigo da principal manifestação cultural do Quilombo Pitanga de Palmares em Simões Filho, ou seja, Dança de São Gonçalo.

Conheço essa comunidade desde 1986 quando o escritor e teatrólogo Nelson de Araújo viera a Simões Filho registrar a Dança de São Gonçalo no primeiro tomo I da sua obra de três tomos, intitulada  “Pequenos Mundos - Uma Panorâmica da Cultura Popular na Bahia".

Desde aquele ano, em diálogo com o professor Nelson de Araújo, Bernadete Pacífico e com o mestre popular Matias dos Santos que, acolhido também pelos devotos e devotas de São Gonçalo - passei a contribuir com esse cultivo junto a essa comunidade. Foi assim que conheci o violeiro meio faceiro, aquietado e tímido e às vezes - meio arredio, o "Da Hora", esposa de Maximiana  ou Máxima que atua nessa manifestação como Cantadora das loas.

Salvagurda.

"Da Hora" fará muita falta. Por mais que nos esforçássemos - ele não deixou "herdeiro" para a sua viola e para as notas das loas que tirava junto aos cantos de Seo Alberto, D. Bernadete e D. Máxima, entre os demais cantantes. Essa tem sido a minha particular e maior angústia e sonho: criar oficinas de passagem desses saberes e fazeres para as novas gerações contando com as ensinanças desses guardiões e guardiães ainda vivos e fortes.

Esses corpos da cultura popular que cantam, dançam, rezam, bordam, esculpem, contam histórias - trazem uma ancestralidade que precisa ser valorizada. Trazem um saber que vai esmaecendo ante a velocidade desigual da globalização. Esses corpos precisam do abraço de outros corpos que os fortaleçam na passagem de novos ritos para que as novas gerações reinventem o seu ser e estar sem serem engolidos, estigmatizados, invisibilizados ou confinados no tempo e espaço de uma contemporaneidade impiedosa com as flores mais singelas da cultura humana.

Os processos de salvaguarda precisam sair do dis(curso) e se colocar no curso diário da vida desses guardiões e guardiães de saberes e fazeres que estão pelos brasis afora.

Loas da Hora

No ponteado da viola
Evém José Moura
Lá vai José da Hora
A graça da sua viola doura
As loas
Que boas
louvam por Gonçalo
e por Nossa Senhora
Em vivas e revivas Gonçalim
Nosso beato de toda hora
Que cuidou de mim
Que cuidará de você agora
Entrando pelos céus
Amém
e cuidará dos seus
E de você também
Adeus, adeus
Amém, amém...




Para conhecer mais sobre a Dança de São Gonçalo e sobre o Quilombo:

http://ademarioar.blogspot.com.br/2010/09/danca-de-sao-goncalo-no-quilombo.html

Foto 1: "Da Hora". Foto 2: "Da Hora" e sua esposa Máxima. Créditos: Ademario Ribeiro. Foto 3. Crédito: Enviada por Binho do Quilombo.

2 comentários:

  1. Binho do Quilombo me escreveu por e-mail a seguinte mensagem: "Olá amigo Ademario, realmente ele não deixou herdeiro de sua viola mas mim ensinou a prática de tocar viola. Acompanhei ele muito tempo quando estava doente. Confessei muito com ele a onde ele parecia estar mim passando seu conhecimento além disso ainda existe Seo Nilo que também é um aluno dele.

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  2. Isso Binho! Te vi criança ainda entre os mais velhos das tradições daí e sei que vc se lembra de tudo isso. Precisamos dar continuidade e com maior empenho, maior urgência e maior arco de parceiros para os projetos de salvaguarda daqueles que trazem a história e cultura da "Velha Pitanga" na oralidade! Os guardiões e guardiães desses saberes e fazeres estão "cufando" no dizer banto.

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