quarta-feira, 14 de março de 2012

Capinan: poesia essencial da tropicália e da vida

Amigo(a) leitor(a), ontem eu e Lucivone (Lu) Carpintero, psicopedagoga - amiga e mestre muito estimada -, que me vislumbrou academicamente a importância da intuição, do lúdico, das culturas populares na transformação do mundo, na formação do humano e fundamentais nos processos educativos - falávamos de José Carlos Capinan - destacável poeta da Tropicália e que inda faz revolução na Bahia com seus projetos. Quem não vegetou nos anos da Ditadura Militar ouviu seus poemas célebres na voz de tanta gente de grandeza: Edu Lobo, Caetano Veloso, Gilberto Gil, João Bosco - citando só alguns.

Enfim, após a conversa com Lu, revi um e-mail que me enviara em fevereiro de 2011 quando Capinan foi festajado por amigo(a)s por seus 70 aninhos. Veja abaixo o texto do escritor-amigo do poeta que fora publicado pelo Jornal A Tarde, cujo texto, na íntegra, repasso agora à você que nos lê.

Viva a Poesia! Viva Lucivone! Viva Capinan! Viva a Tropicália! Viva a Vida!


(Capinan na festa dos seus 70 anos. À esquerda Jorge Portugal e à direita, Rita. Foto de Waleska Nascimento – 19.2.2011).


A revolução da Tropicália

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texto de zédejesusbarreto*


Ano de 1979, a ditadura militar vivia seus estertores, com o general Figueiredo segurando a ‘abertura lenta e gradual’ preconizada pela dupla da ESG Geisel/Golbery.

Então, fui parar meio desbundado em la ciudad de México, à época bom abrigo para exilados do Cone Sul militarizado das Américas. A UNAM-Universidade Autônoma do México era uma ‘república’ da chamada esquerdalha (por favor, nenhuma conotação pejorativa) latino-americana. Lá encontrei muitos brasileiros, baianos, professores e ex-colegas de sociologia da UFBa, ‘na luta, na resistência contra a ditadura’.

Jornalista, repórter ativo recém-saído do Estadão e depois da Veja, levava pra eles informações novas e quentes sobre a tal ‘distensão lenta e gradual’ que ocorria no nosso Brasil, sob descrédito, desconfianças e discordâncias da esquerda politizada de dentro e de fora do país. “Mas as coisas estão, de fato, mudando por lá”, eu dizia pra eles, sem agradá-los, claro.

E estavam. Depois do presidente-generale Geisel peitar o núcleo mais duro das forças armadas (Frota, Ednardo, Fiuza, Hugo Abreu etc…) por volta de 1978, a censura arrefecia, as torturas já não aconteciam com a intensidade dos anos anteriores e, a despeito dos atentados terroristas da direita armada, via-se uma luz no fim do túnel com o retorno de alguns exilados ao país e a discussão aberta de uma possível transição pacífica para um regime democrático… que não se sabia ainda como aconteceria. Ou seja, o período de trevas parecia ir se dissipando, mesmo com o plantão dos generais.

Em 1978 eu tinha feito uma longa entrevista com o genial cineasta e livre pensador Glauber Rocha, tido como louco e perigoso pela direita e pela esquerda. Deu página inteira no Estadão. Glauber, que me recebeu nu e depois enrolou-se numa toalha, num apartamento do Hotel da Bahia, falou duas horas seguidas, aos berros, sem me deixar perguntar quase nada, na sua dialética profético-libertária. Nem precisava. Dizia tudo o que se queria ouvir. E, para desespero das esquerdas, afirmava que a mudança no país se daria sim pela via militar, através da autoridade de Geisel e do gênio de Golbery.

Pois bem, eu que vivi o golpe militar de 1º de abril 1964, ainda adolescente mas esperto, ciente e consciente do que estava acontecendo, que participei dos movimentos estudantis de 67 e 68 como estudante de sociologia da UFBa, que me arrepiei de pavor com o AI-5 de dezembro de 69 – que significou o início, de fato, das trevas, dos anos de chumbo… que acompanhei de perto a prisão, tortura e sumiço de amigos, companheiros, colegas, conhecidos… que tive minhas simpatias pela AP, que pude ajudar, aqui e ali em algumas ações de resistência e combate à ditadura, que até sonhei em ir pra guerrilha do Araguaia, que usei boina de Che Guevara e recitei frases do livrinho vermelho de Mao, do combatente Ho Chi Min e acreditei em Fidel…

Eu, o mesmo que desde menino cantei Luiz Gonzaga, que voei com os Beatles, que atinei pras dissonância de Tom e João, que namorei ouvindo Roberto, que por todo e sempre fui apaixonado pela bola, pelo gênio Pelé, pelo meu Bahêa…

Eu mesmo, assumido libertário desde que saí do seminário de padres, que quase despiroquei das ideias ao ouvir Alegria Alegria, que chorei no show de despedida de Caetano e Gil no TCA, que cantei versos de Capinan e Torquato e Tom Zé… e me apaixonei pela canção amorosa do ‘carcará’ sertanejo Bethânia… eu que vi, nos anos mais cruéis da ditadura, jovens como eu perderem a vida sem conseguir nada… nada além de uma triste ilusão…

…pois, tive a felicidade de vivenciar, fazer parte das mudanças e transformações, revolução perene de comportamento, de postura, de pensamento, de atitude, de criatividade, de resistência, de luta pelas liberdades, todas… de crer, de falar, de assumir, de se manifestar, de ir e vir, de pensar livremente… por que estava dito, escrito, gravado para sempre:

É Proibido Proibir!

E lá no México, naquele instante, em 1979, aos brasileiros sofridos e esperançosos ainda numa ‘revolução popular’ (armada?) que derrubaria a ditadura militar tupiniquim, eles distantes das realidades diversas de um país imeeenso que crescia, de todo modo, que tinha já uma classe média urbana consumista e influente, que queria paz para trabalhar e fazer sua história… eis que diante desse grupo de ‘compatriotas esquerdistas revolucionários sonhadores’ tive a ousadia de falar, um dia: ‘Olha, a Tropicália fez uma revolução libertária, cultural e política no país, mesmo sob o tacão dos ditadores, que a esquerda, com todos os mártires, não ousou conseguir, jamais.’ Não desmerecia ninguém, jamais. Era uma constatação minha, vivida, apenas.

Mas foi como uma bomba da direita terrorista da época! Pra eles. Foi um risco, doidice libertária. Vi-me cercado, taxado de direitista… como nos tempos de 68 fui chamado de festivo e desbundado porque gostava de Pelé, de Caetano… E terminei por mandar a militância às favas!

Mas minha alma libertária jamais se vendeu. Nem a cartilhas, catecismos, tampouco aos encantos do capital sujo. Vendo conscientemente minha força de trabalho, aqui e ali,dentro de limites que me imponho, mas não me rendo a ideologias e muito menos a negócios. Continuo me indignando contra as injustiças, os preconceitos, as desigualdades, lutando bravamente contra a falta de liberdade e a ignorância. Essa é minha bandeira.

Caminho ainda contra o vento, sem lenço e sem documento, nada no bolso ou nas mãos; é proibido proibir, meu irmão; Meu coração vagabundo quer apenas guardar o mundo em mim; Y el cielo como bandera, soy loco por ti América!

No mais…

Viva a Bossa, Viva a Palhoça, Viva a Mata, Viva a Mulata, Viva Maria, Viva a Bahia!!!

**

No meu livro mais recente, lançado e nas livrarias – Cacimbo- Uma experiência em Angola (Editora Solisluna) – escrevo:

Não
Não acredito em dogmas
Muito menos em cartilhas
Creio só no impossível
No improvável
Desconhecido
Em sonhos
Utopias
Essa é minha crença
Minha fé

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PS: No mais, salve Caetano e Gil, salve Capinan, Torquato, Tom Zé, Bethânia… e salve Darcy Ribeiro e Jorge Portugal, porque ‘só a educação e a liberdade salvam!’. E viva Glauber! que tanta falta faz com sua louca lucidez. Questionar é preciso, sempre.

**

*zédejesusbarreto – jornalista e escrevinhador libertário, em 1º de março/2011.

Tags: Ditadura militar, Glauber Rocha, Jorge Portugal, José Carlos Capinan, zédejesusbarrêto

Fonte: http://jeitobaiano.atarde.com.br/?p=2723

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