terça-feira, 22 de novembro de 2011

Teatro Brasileiro. Textos censurados na Bahia entre os anos 70 e 80

Eu (AR) e Antonio Cerqueira (AC), este, autor de Blecaute no Araguia, assim como de Baioneta de Sangrenta e Malandragem In Bahia, fomos os convidados do dia 17 de novembro de 2011, para participarmos de uma mesa-redonda no Institutro de Letras da Universidade Federal da Bahia - UFBA, sob a mediação da Profª Drª Rosa Borges Santos e olhos atentos entre sábias e pertinentes perguntas de alunos e alunas mestrand@s e douorand@s, para ali, apresentarmos nossos pontos de vista acerca da censura no período da ditadura militar aos nossos textos e do que bordejavam à época. Claro, somos dois autores entre tantos outros que passaram por situações semelhantes. Abaixo, segue uma síntese da minha “contracena” com o confrade (AC), a qual, para mim, tem quase um formato de memorial.
(AR, Profª Rosa & AC)
(Profª Rosa, Débora Souza, AR, AC & Williane Corôa)

Identidade, descentralidade e autoralidade num teatro entre os anos 70 e 80

Por Ademario Ribeiro

FALA 1 - Agradecimento à Débora, Wiliane e demais estudantes-pesquisadores e à Profª Drª Rosa Borges dos Santos – da Universidade Federal da Bahia - UFBA, pelos esforços para a realização/manutenção do projeto de pesquisa através Grupo Edição e Estudo de Textos e da Equipe Textos Teatrais Censurados, equipe responsável pelo levantamento dos textos teatrais censurados no período da ditadura militar na Bahia entre os anos 70 e 80.

FALA 2 – Após chegar em Salvador anos 60 - um mal estar existencial imenso banzo se assomava de mim. Estava inquieto com a situação da minha família: sem eira e nem beira na capital. Sem minha “tribo” e sentia que mesmo os que aqui já estavam nas periferias também tinham uma situação de iguais a nós: pobres, discriminados – mas, com uma alegria que vinha desses! Fui também impactado na cidade grande. Sofri sim, os sintomas do hoje propalado bullying. Charlavam do meu jeito de ser, meus falares e até o “formato” da cabeça...

FALA 3 - Após assistir na TV a novela Irmãos Coragem, me rumei para o teatro, embora, pobre fazer teatro naquela época já era discrepante, desejava “entender” o mal estar e acreditava que o teatro poderia me ajudar. E havia entre nós – na periferia muita luta por trabalho, escola, saúde, justiça. Éramos então, muitos os “irmãos coragem” em busca do seu “diamante” para dividir entre os seus!

FALA 4 - Fui fazer teatro com Jurema Penna e Fernando Peltier. Depois fiz “o meu teatro”. Eu ia para as portas dos teatros do centro de Salvador e interagia com artistas, sindicalistas, jornalistas, loucos, esquerdistas e afins – para poder “me ligar” no que estava acontecendo e que em casa, nas vizinhanças não se falava, o que se pensava dos governos, dos militares era ocultado, não se discutia ou à meia-boca e entre intelectuais, etc. “Em boca fechada não entra mosquito... é boca de siri”, etc.

FALA 5 - Por isso eu ia à simpósios, seminários, assembléias, etc. e bebia, comia e depois voltava à periferia e lá propunha a partir da nossa linguagem, jeito, ou sem-jeito (pois a nossa produção era para lá de mambembe, elenco formado na hora ou um pouquinho antes, com quem sabia ler um pouco já ajudava) para finalmente mandar “a coisa” pro ar!!!

FALA 6 - Então, o que havia no Centro de Salvador de informação, cultura, pensares e olhares diferentes, etc. era preciso (pensava eu) arriscar além da mesmice, dos medos e iniciar a Descentralidade Cultural/Teatral. Daí, com dificuldades, mas, com alguns jeitinhos e às vezes de nenhuma forma – entrávamos nas escolas para ali fazer vicejar os germens (Escola Parque, Colégio Duque de Caxias, Anísio Teixeira, Escola Profª Candolina, e entre outras, os CSUs, fundações de associações, clubes de mães, grupos de teatro, festivais de música e afins... Contudo, minha interação se mantinha com meus colegas, artistas “profissionais”...

FALA 7 - Mas queria discutir e incluir algo que compreendi depois de que era a busca de IDENTIDADE a partir do aqui/agora. Porque também, além de trazer minhas raízes, incorporei o lugar e as gentes daqui e me vi igual e não foi difícil perceber de que tínhamos histórias em comuns. Havia semelhanças e menos dessemelhanças... Meu bem estar e meu mal estar deveriam ir para o teatro...

...Dessa forma o “meu” teatro passou a incorporar esses personagens de origem sertaneja, expulsos pelas grilagens, os famintos não só de comida, os que habitavam os inabitáveis bairros dito populares, guerrilheiros e guerrilheiras, párias da pátria, meninos e meninas de e nas ruas, professores, artistas, líderes comunitários...

Com “meu teatro”, minha metáfora, meu ponto de vista, mal estar no mundo, minhas pensamentações... Daí foi um passo para uma vertigem bem maior em busca do Qeu ficava me martelando nas mil e zis discussões pelo Brasil afora: “IDENTIDADE”. Qual é a minha, a nossa IDENTIDADE. De onde vim? Que validade tem essa discussão e o que é que eu trouxe do meu sertão, da minha gente e que gente é essa ou foi. Sou resultado de três raças? Raças ou etnias? Sou só branco e negro e o índio em mim e na minha gente? Nasci nas terras dos Payayá e dos Kiriri. Minha mãe e todos os seus ancestrais nasceram ali. O que sou? Cadê a questão indígena no teatro, nas discussões, na dança, na poesia, nos fóruns, nas universidades, etc. E quando vem às novelas, vem como? Etc. Passei a incluir de maneira mais efetiva os povos indígenas na minha literatura e na vida de maneira mais ampla e academicamente...

FALA 8 - Como escrevia meus textos. Sempre a partir do que via no cotidiano, lia nas manchetes de jornais ou apreendia nas discussões “fechadas”. Escrevia o texto inicial (que representava a inspiração autoral). Depois havia o texto “autorizado” e depois desse o texto que pode ser feito com todos, quando os atores de envolvem a ponto de se desenvolver algo mais coletivo e, inclusive com a verve de termos sido “censurados”... Não era só um texto dramático, mas também seu contexto social...

FALA 9 - A estética não valia para mim, mais que a palavra, o sentido, o que queria anunciar, “bater” no sistema, o que é que vai incomodar, acordar, mexer o que está velado nas mentes, nos subterrâneos. Entendem? Por isso minha produção podia ser “em busca de um teatro pobre” em maquinaria, maquiagem, figurinos – mas tinha que ser um “recado”, mora? Claro, se conseguíssemos associar: luz, som, carpintaria, figurinos, adereços, cenários, atores experimentados, patrocínio (este jamais tive!), o espetáculo crescia, subia e aparecia na imprensa, entre os acadêmicos, etc.

FALA 10 – A Autoralidade. Sempre fui um autodidata. Conversamos muito. Era um buscador sem trégua. Queria entender o que ocorria no país. Porque era ele e como éramos. O que estava nas entrelinhas, nos bastidores da ditadura. Que notícias eram aquelas nos jornais, inclusive no Em Tempo, Movimento, Pasquim, os jornais e livros “vermelhos”, comunismo x capitalismo. Tinha admiração por Oduvaldo Viana Filho (Vianinha), Augusto Boal, Zé Celso Martinez Correia, Ziembinski, Bertold Brecht, Paulo Pontes, Plínio Marcos, Gianfrancesco Guarnieri, Dias Gomes, Garcia Lorca, entre outros, Che Guevara, Lampião. Na música de artistas à esquerda: Gil, Caetano, Vandré, Gonzaguinha, Alceu Valença, Sérgio Ricardo... Tenho até hoje resistência aos best sellers... Alguns, até me convencem. Não é que eu sou algo que valha. Na verdade é marcar ponto de vista. Interessa-me “comer-beber” das fontes de todas – mas, se não me falam do meu lugar, das minhas relações, das minhas histórias e se não se aproximam de onde estou – não dialogam com “meus” personagens, “meus” lugares, “minhas” identidades.

FALA 11 – Depois, entendi que a questão indígena ficava só entre antropólogos, emperrada na FUNAI, engavetada nos órgãos da Justiça, esquecida se esquecendo entre os brasileiros e entre romantismo de uns, sem o relativismo cultural por muitos, entre frases: “... minha vó foi pega à laço e dente de cachorro, peia, canga...”.

Alguns dos meus textos entre 70 e 80:

Barrelas – 1977; - Ação/personagens: Lavadeiras dos bairros populares
Ôi! Ói Nóis Aqui Travêis, 1979; - Ação/Foco: Folclore brasileiro com ênfase para o baiano como fundo a questão ambiental, cantigas de roda, cirandas...
São Lourenço, cadê o vento? – 1979; - Ação/oco: Êxodo rural, grilagem...
Cenas na Ceia – 1979; Ação/Foco: Êxodo rural, grilagem, desumanização nas grandes cidades...
Viagens Por Esses Dias – 1980; - Ação/Foco/Personagens: Recortes sociais do país: corrupção, juventude faminta de oportunidades...
Radiografia da Ilha – 1980; - Ação/Foco/Personagens: A bandidagem na América Latina, ditadura militar, opressão, imprensa amordaçada...
Invasão do Meu Coração – 1984; - Ação/Foco/Personagens: Êxodo rural, grilagem, desumanização nas grandes cidades e a tentativa de sobreviver a partir do mutirão, associativismo, do lúdico, da cultura popular...
Mãe Esperança (dedicada à Irmã Dulce) - 1986; - Ação/Foco/Personagens:Famílias empobrecidas na luta pela sobrevivência. Valores importantes nas famílias, esperança nas mães que lutam...
Rituais - 1987; - Ação/Foco/Personagens: A questão indígena, a território, demarcação das terras, seu patrimônio cultural, lingüístico e cosmogônico...

Eu e o confrade Antonio Cerqueira, nos emocionamos. Lacrimejamos. Contudo, sorrimos a felicidade -, não apenas pela honraria do convite, entretanto, pela seriedade acadêmica das pesquisas e estudos, pela condução feliz, tenaz e investigativa da professora Rosa e de seu Grupo de alun@s que estão resgatando autores e autoras daquela época de chumbo, trevas, despotismo, prepotência e...

Fotos: Grupo Edição e Estudo de Textos/Equipe Textos Teatrais Censurados

2 comentários:

  1. Sua fala foi muito importante para nós, assim como a de Antonio Cerqueira. Agradecemos!

    Williane Corôa

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  2. Ôi, Williane, então estamos todos agradecidos, afinal compreendemos a função da chama e do pavio ou a importância da retroalimentação.

    Tá valendo!

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