terça-feira, 29 de outubro de 2013

Artigo de Wesley Barbosa Correia sobre a arte transgressora de Nelson Magalhães Filho

Nelson Magalhães Filho e a arte transgressora
Wesley Barbosa Correia

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Nelson Magalhães FilhoAutor de um dos traços mais originais e marcantes da pintura baiana contemporânea, Nelson Magalhães Filho (Cruz das Almas, BA, 1958) faz incidir sobre a obra que produz, uma intensa fragmentação do ser, da sociedade moderna e de tudo quanto o caos urbano pode suscitar. Sua pintura é, antes, uma representação auto-destrutiva (ora pessoalista, ora universal) que disso se utiliza para a construção do singular projeto artístico, que segue em curso renovando-se, a cada série, e surpreendo os mais curiosos nos Salões de Arte, por onde passeia, a cada exposição.

Nelson Magalhães, atualmente como regente da disciplina: Pintura II na Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia, tem-se voltado para o experimento e elaboração de técnicas próprias que ousam na utilização de elementos como areia, gaze, verniz sintético, tintas guache e acrílica, dentre outros. Para a crítica de arte Matilde Matos, o vencedor do Prêmio Copene de Cultura (atual BRASKEM) em 1999 é um artista ferozmente independente no seu modo peculiar de pintar sempre as mesmas figuras, conseguindo (...) romper com tradições artísticas e se aproximar da vida.

A inventice técnica nas figurações multifacetadas do indivíduo traslada os limites da tela e desborda para o universo enigmático do inconsciente. A produção de mais de duas décadas marca, com especial autenticidade, a leitura plurissignificativa da brutalidade, solidão e violência dos homens em sua angústia metafísica.

Nelson Magalhães Filho          Nelson Magalhães Filho
Assim como nas telas do pintor norueguês Edvard Munch (1863-1944) e em todo o traço que caracterizou o Expressionismo alemão, as imagens de Nelson Magalhães são carregadas de cores quentes, eficientes demolidoras da razão ocidental. Em conjunto, a expressão mais visceral do processo criativo que normalmente impacta os sentimentos do espectador.

Ao melhor estilo de Jean-Michel Basquiat (1960-1988), ícone da Arte pop norte-americana, Magalhães opta pelo traço infantil, apropriando-se do universo lúdico-primitivo, projetando em sua plástica uma atmosfera de seres truncados, que contraria o trivial e propõe a sublimação da superficialidade das coisas. O resultado deste trabalho é uma alusão ao grafite urbano da Arte brut.
Nelson Magalhães Filho          Nelson Magalhães Filho
O golpe certeiro no imperialismo burguês e o vazio gerado pelo consumo desenfreado tecem a expressão das personagens que, entre espantosa e apática, sugere elevado estado de tensão psíquica. Por outro lado, o efeito visual é fruto da união entre o inusitado trabalho formal, a técnica inusual e o sentimento imprevisível: um mergulho no próprio abismo do Ser. Este processo é, na concepção do autor, a proposta de nova identidade estética e comportamental a que o mesmo classifica como arte punk e que encontra ecos na inspiração da literatura beatnik, movimento iniciado a partir da década de 50 nos Estados Unidos, cujos destaques são, dentre outros, Jack Kerouac (1922-1969), Allen Ginsberg (1926-1997) e William Burroughs (1914-1997).

O derramado da tinta líquida sobre a lona, remanescente da mais fina criação de Jackson Pollock (1912-1950), torna a pintura de Nelson Magalhães menos uma mera figuração da contra-cultura e mais um complexo e acurado exercício artístico de extraordinária linguagem visual, uma obra relativamente recente, mas de que a crítica especializada já muito pode dizer. Talvez, pensando desta forma, o júri da 7ª Bienal do Recôncavo (São Félix, BA, 2004/2005) conferiu a seus desenhos, pela segunda vez, o Prêmio Emilie Najar Leusen. A visível unidade na produção deste artista liberta-o de rótulos programáticos e não o isola em um simples conceito. Suas telas, muito além do estranhamento que perpassa o primeiro olhar, são, todavia, o diálogo (não raro, interrompido e traumático) com a consciência primal, com a realidade que, uma vez transfigurada para o campo artístico, admite a inserção e articulação de tantos outros elementos. Trata-se, portanto, do diálogo com importantes movimentos estéticos e, finalmente, com a própria vida.

Fonte:  http://www.revista.agulha.nom.br/ag58filho.htm

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