Nelson Magalhães Filho e a
arte transgressora
Wesley
Barbosa Correia
. |
Autor
de um dos traços mais originais e marcantes da pintura baiana contemporânea,
Nelson Magalhães Filho (Cruz das Almas, BA, 1958) faz incidir sobre a obra
que produz, uma intensa fragmentação do ser, da sociedade moderna e de tudo
quanto o caos urbano pode suscitar. Sua pintura é, antes, uma representação
auto-destrutiva (ora pessoalista, ora universal) que disso se utiliza para a
construção do singular projeto artístico, que segue em curso renovando-se, a
cada série, e surpreendo os mais curiosos nos Salões de Arte, por onde
passeia, a cada exposição.
Nelson Magalhães,
atualmente como regente da disciplina: Pintura II na Escola de Belas Artes
da Universidade Federal da Bahia, tem-se voltado para o experimento e
elaboração de técnicas próprias que ousam na utilização de elementos como
areia, gaze, verniz sintético, tintas guache e acrílica, dentre outros. Para
a crítica de arte Matilde Matos, o vencedor do Prêmio Copene de Cultura
(atual BRASKEM) em 1999 é um artista ferozmente independente no seu modo
peculiar de pintar sempre as mesmas figuras, conseguindo (...) romper com
tradições artísticas e se aproximar da vida.
A inventice técnica
nas figurações multifacetadas do indivíduo traslada os limites da tela e
desborda para o universo enigmático do inconsciente. A produção de mais de
duas décadas marca, com especial autenticidade, a leitura
plurissignificativa da brutalidade, solidão e violência
dos homens em sua angústia metafísica.
Assim como nas telas
do pintor norueguês Edvard Munch (1863-1944) e em todo o traço que
caracterizou o Expressionismo alemão, as imagens de Nelson Magalhães são
carregadas de cores quentes, eficientes demolidoras da razão ocidental. Em
conjunto, a expressão mais visceral do processo criativo que normalmente
impacta os sentimentos do espectador.
Ao melhor estilo de
Jean-Michel Basquiat (1960-1988), ícone da Arte pop norte-americana,
Magalhães opta pelo traço infantil, apropriando-se do universo
lúdico-primitivo, projetando em sua plástica uma atmosfera de seres
truncados, que contraria o trivial e propõe a sublimação da superficialidade
das coisas. O resultado deste trabalho é uma alusão ao grafite urbano da
Arte brut.
O golpe certeiro no
imperialismo burguês e o vazio gerado pelo consumo desenfreado tecem a
expressão das personagens que, entre espantosa e apática, sugere elevado
estado de tensão psíquica. Por outro lado, o efeito visual é fruto da união
entre o inusitado trabalho formal, a técnica inusual e o sentimento
imprevisível: um mergulho no próprio abismo do Ser. Este processo é, na
concepção do autor, a proposta de nova identidade estética e comportamental
a que o mesmo classifica como arte punk e que encontra ecos na
inspiração da literatura beatnik, movimento iniciado a partir da década de
50 nos Estados Unidos, cujos destaques são, dentre outros, Jack Kerouac
(1922-1969), Allen Ginsberg (1926-1997) e William Burroughs (1914-1997).
O derramado da tinta
líquida sobre a lona, remanescente da mais fina criação de Jackson Pollock
(1912-1950), torna a pintura de Nelson Magalhães menos uma mera figuração da
contra-cultura e mais um complexo e acurado exercício artístico de
extraordinária linguagem visual, uma obra relativamente recente, mas de que
a crítica especializada já muito pode dizer. Talvez, pensando desta forma, o
júri da 7ª Bienal do Recôncavo (São Félix, BA, 2004/2005) conferiu a seus
desenhos, pela segunda vez, o Prêmio Emilie Najar Leusen. A visível unidade
na produção deste artista liberta-o de rótulos programáticos e não o isola
em um simples conceito. Suas telas, muito além do estranhamento que perpassa
o primeiro olhar, são, todavia, o diálogo (não raro, interrompido e
traumático) com a consciência primal, com a realidade que, uma vez
transfigurada para o campo artístico, admite a inserção e articulação de
tantos outros elementos. Trata-se, portanto, do diálogo com importantes
movimentos estéticos e, finalmente, com a própria vida.
Fonte: http://www.revista.agulha.nom.br/ag58filho.htm
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