quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

“BA: PESSOAS SÃO COAGIDAS A FAZER CADASTRO NA FUNAI”?

REFLEXÕES SOBRE A TENDENCIOSA MATÉRIA DO JORNAL DA BAND - BANDEIRANTES ATÉ NO NOME

Por Casé Angatu
 
A primeira consideração é que não vemos nenhum mal um veículo de comunicação assumir posição. Digo isto porque todo ponto de vista é um olhar parcial. Ou em outras palavras, a imparcialidade é uma impossibilidade humana. Mesmo a lei e a justiça tem sua parcialidade. Isto é, a lei é feita por homens para atender determinados interesses. Por exemplo, a defesa quase absoluta da grande propriedade privada rural neste país.
O problema é que o Jornal da Band, bem como quase todos os veículos de comunicação, não assumi junto ao público sua parcialidade, como fazemos em nossos espaços na rede social virtual. Um bom exemplo é este nosso perfil que defende abertamente: a Demarcação Já do Território Tupinambá de Olivença (Ilhéus/Bahia) por sermos indígenas e acreditarmos na ancestralidade do Povo que reivindica seus direitos originários.
A Band, cujo nome inteiro diz muito sobre os que a constituem (Grupo Bandeirantes), tenta demonstrar que é imparcial em suas matérias e pontos de vista. Porém, neste caso particular em sua matéria jornalística joga a opinião pública contra o Povo Tupinambá e o processo de Demarcação de seu Território. O problema é que a mesma não assumiu sua parcialidade como fazemos neste espaço. Esta é impressão que fica explicita na nossa leitura também parcial da matéria denominada: “BA: pessoas são coagidas a fazer cadastro na FUNAI”.
Todo ponto de vista é uma semiologia ou semiótica sobre a realidade que se deseja retratar, como analisam Charles Peirce, Jacques Lacan, Slavoj Žižek, Noam Chomsky, Saussure, Michel Foucault, Darton, entre outros pensadores cuja linhas deste texto seriam poucas para denominá-los.

Aliás, uma discussão que já não é nova como alguns podem pensar. A semioticidade e/ou relatividade do olhar humano e de sua capacidade analítica já encontra respaldo nos filósofos pré-socráticos, isto sem considerarmos toda tradição filosófica e de sabedoria dos Povos Originários, Africanos e Asiáticos. Diziam meus ancestrais: “quem conta um conto aumenta um ponto”.

Porém, os autores da matéria do Jornal da Band e os proprietários daquele veículo devem ter fugidos das aulas de semiótica/semiologia, filosofia, história e antropologia. Ou talvez, buscam mesmo camuflar os interesses a que servem. Observem que não estou afirmando e sim ponderando, algo que a matéria do referido jornal não faz.
Segundo o pensador francês Michel Foucault, oferecer conceitos, classificar e apresentar versões sobre as coisas e os homens é uma forma de exercer poder. Todos nós fazemos isto, consciente ou inconscientemente, de acordo com interesses individuais e coletivos. Então pergunto: porque não assumir nossas imparcialidades? Porque levarmos aos nossos leitores e/ou ouvintes uma visão parcial como a única possível?

O historiador Robert Darton contribui com esta percepção ao analisar que “a classificação é, portanto, um exercício de poder” (DARTON, Robert. O grande massacre de gatos. Rio de Janeiro: Graal, 1986, p. 249)
O tempo todo a referida matéria denomina, adjetiva, classifica e generaliza a partir de uma única versão: a daqueles que são contrários à Demarcação do Território Tupinambá de Olivença.

Vejamos alguns trechos e nossas reflexões sobre os mesmos. Reafirmamos que são nossas e não as únicas possíveis; até porque não somos bandeirantes:
- Jornal da Band: “pessoas são coagidas a fazer cadastro na Funai”.
Perguntamos: o Jornal da Band ouviu todas as pessoas que se cadastraram? Que pessoas são estas? Mesmo existindo: formam a maioria?
- Jornal da Band: “Moradores eram recrutados para se inscreverem como se fossem índios para engrossar invasões de terra no sul da Bahia” e/ou “Centenas de moradores são coagidos a fazer cadastro na Funai (Fundação Nacional de Índios) como se fossem índios para engrossar invasões de terra no sul da Bahia.”
Questionamos: o Jornal da Band ouviu todos os moradores de Olivença cadastrados? Quais são estes moradores coagidos ao cadastramento? Mesmo existindo: formam a maioria? Os jornalistas contaram quantos eram para chegarem ao dado de centenas?
- Jornal da Band: “A área pretendida pela Funai fica numa região conhecida como Costa do Cacau e do Dendê. São terras ocupadas tradicionalmente há séculos por mestiços, descendentes de índios, brancos e negros que povoaram o Brasil desde os tempos do descobrimento.”
Analisamos: Será que os responsáveis pelo Jornal da Band leram a Constituição Brasileira e/ou ouviram falar da “Convenção n° 169 da Organização Internacional do Trabalho - OIT - Sobre Povos Indígenas e Tribais 07/06/1989”? Vale frisar que o Brasil é consignatário desta Convenção. Porém, caso os responsáveis pelo Jornal da Band não ouviram falar da mesma e/ou faltaram às aulas de antropologia e história irei ajuda-los. O texto da Convenção 169, entre outras dimensões, diz o seguinte:
“A auto identificação como indígena ou tribal deverá ser considerada um critério fundamental para a definição dos grupos aos quais se aplicam as disposições da presente Convenção.”

- Jornal da Band: “(...) mais de 100 propriedades já foram invadidas por grupos armados liderados por caciques que se dizem índios Tupinambá”; “Para aumentar o exército de invasores, os caciques fora da lei forjam cadastros de não índios.”
Discutimos: Nestas duas frases o Jornal da Band abusa então das classificações: “propriedades invadidas”; “caciques que se dizem índios Tupinambá”; “exército de invasores”; “cadastro de não índios”. Percebe-se que em nenhum momento existe a perspectiva de uma análise sobre estas denominações ou sua contextualização. Caso os jornalista do Jornal da Band morassem em Olivença e região iriam perceber (se é que não perceberam) que as mesmas são usualmente aplicadas pelos ruralistas e os contrários à demarcação. Talvez a leitura do Relatório Demarcatório da FUNAI de 2009 seria uma ótima indicação para os atores da matéria. Porém, pensamos que não adiantaria porque o filtro ideológico do jornal é claramente contra a Demarcação Territorial e para isto precisa desqualificar os indígenas Tupinambá.

- Jornal da Band: “(...) mais de 100 propriedades já foram invadidas por grupos armados liderados por caciques”; “Os conflitos aumentaram desde que uma base da Polícia Federal foi atacada no início do ano. Os índios são apontados como autores dos disparos. No início do mês, um agricultor foi morto a tiros e teve a orelha cortada. Quatro suspeitos são procurados, mas até agora ninguém foi preso.”
Pensamos: Por fim, a matéria criminaliza o Povo Tupinambá sem provas, reproduzindo as versões que estão presentes em parte da mídia local e criminal, bem como nas falas dos proprietários. Ou seja, o Jornal da Band faz acusações graves sem demonstrar provas. Perguntamos: quais as provas para estas acusações? Os caso citados foram apurados? Isto é legal?

Reparem também que em nenhum momento a matéria cita: os quatro indígenas mortos somente neste ano (2014); os carros incendiados; as ameaças contra a comunidade indígena que até suspenderam as aula na Escola Indígena Tupinambá; as “reintegrações” de posse violentas; os quebra-quebras promovidos pelos ruralistas em Buerarema. Perguntamos mais uma vez: será que a forma como o texto do Jornal da Band foi realizado não é uma contribuição à criminalização que vivem os Tupinambá em Olivença? Caso sim novamente indagamos: porque então não assumem sua parcialidade? Respondemos: sempre a partir de nossa ótica, para ajudar na (des)informação da opinião pública.
Lembrei então de algo semelhante também descrevendo os Tupinambá: “(...) são os mais cruéis e desumanos de todos os povos americanos, não passando de uma canalha (...) Os mais dignos dentre eles não são merecedores de nenhuma confiança”. OBS: este trecho não feito escrito pelo Jornal da Band, apesar das semelhanças.
Estes trechos foram escrito por André Thévet, frade fransciscano francês, que esteve no Brasil entre 1555-1556. Portanto, os Tupinambá de Olivença vivenciaram e ainda vivenciam um histórico processo de criminalização e perseguições que os fizeram, por vezes, calarem-se. Quando assumiam-se como Índios e seus direitos foram brutalmente perseguidos como foi a história do Índio Caboclo Marcelino – preso por duas vezes entre as décadas de 1930-1940. Porém, os Índios de Olivença nunca deixaram de serem Índios e reivindicam seus direitos originários ao Território Ancestral.
O que sabemos, como o próprio texto do Jornal da Band em suas entrelinhas admite, é que as terras de Olivença são “ocupadas tradicionalmente há séculos” por seus habitantes. Muitos moradores que, em grande parte, foram coagidas a se calarem em sua ancestralidade indígenas através da histórica violência.
Por isto ponderamos: não façam como os responsáveis pela matéria do Jornal da Band, leiam o Relatório de Demarcação da FUNAI de 2009; a Convenção 169 da OIT; os artigos da Constituição Brasileira a relativos aos Povos Indígenas; procurem a literatura antropológica e histórica sobre Povos Originários; leiam o Livro de Susana de Matos Veiga - “Terra Calada: os Tupinambá na Mata Atlântica do Sul da Bahia”; o livro “Índios na Visão dos Índios – Memória”; entre outros estudos valiosos, comprometidos e sérios sobre Olivença e o Povo Tupinambá de Olivença.

Pensamos: o que incomoda o Jornal da Band e os contrários à Demarcação não é o reconhecimento étnico dos moradores de Olivença como Tupinambá, mas sim o direito ao Território Ancestral.
Deste modo, seria bom que o referido Jornal assumisse sua parcialidade e posturas para que seus leitores não leiam suas matérias como “retrato fiel da realidade”. Ou seja, deixo uma sugestão: Jornal da Band faça como nós em nossos espaços da rede sócia, assumindo posições e concepções.
Afinal, não é por acaso que a emissora carrega em sua denominação o nome Bandeirantes. Será que como os bandeirantes dos anos de colonização primeiro é necessário criminalizar e demonizar os Povos Originários para depois justificar o massacre e a invasão de suas terras? Será que a Bandeirantes segue a trilha dos bandeirantes que na falta de esmeralda caçavam os Índios?

Para finalizarmos, apesar da história nunca ter fim, deixamos uma foto do Gwarini Atã Índio Caboclo Marcelino que também foi criminalizado e preso entre as décadas de 1930-1940. O Jornal o Estado da Bahia de 06/11/1936 colocava como destaque: "Era uma vez Caboclo Marcellino". Porém, seu espirito guerreiro permanece presente. Na foto, tirada quando ele foi preso, aparecem da direita para a esquerda os Índios: Caboclinho, Marcionillo, Marcellino, Pedro Pinto; e Marcos Leite.
 
Assim como ele e seus Parentes resistiremos e cantaremos:
"quebra cabaça,
espalha semente ...
cai a língua
de quem fala
mal da gente"...
Awerê!
Fonte: e-mail

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