- Alô, professor, tudo bem?
- Tudo. Quem fala?
- Aqui é da Escola X. Da TV Ene. Da Universidade B. Da Secretaria
C...
- Pois não. Que deseja?
- Professor, quem nos indicou o senhor foi Fulano(a) de tal que tem
uma grande admiração por sua Arte, por sua Poesia, por seu Teatro (por sua...
por seu...).
- Muito grato! Qual o assunto?
- Vai ter um congresso, um seminário, uma festa em comemoração a
ou (ao) dia da ou de e gostaria de convidá-lo para dar uma palavrinha aqui para
nossos...
- Quais condições vocês oferecem?
- Não estou entendo... O senhor vem (apenas) para dar tua
palavrinha e pronto! Não está bom para você mostrar o teu trabalho?
- E o meu translado de ida e volta? O material que produzi em anos
de pesquisa e investimentos pessoais e que vou adaptar para esse momento? Vocês
comprariam alguns dos meus livros para acervo da biblioteca de vocês e ou para
sortear com os presentes?
- Ah, essa parte é complicada, professor. Não temos recursos para
isso!
- Oh, querida, sou autônomo. Meus trabalhos não têm
patrocinadores. São investimentos pessoais. Tiro da carne. Tiro da minha
família para produzi-los...
- Mas é só uma palavrinha! Que custa?!
- Mas, vocês não têm verbas para essas ações?
- Ah, isso é complicado na hora de prestar contas!
- Não podem fazer uma “vaquinha” junto com teus colegas para
custearem pelo menos o transporte e a compra de alguns exemplares do meu último
livro?
- Não posso pedir isso à eles!
- Mas pode me pedir que me desloque de onde estou por conta
própria, deixe de trabalhar para meu sustento e da minha família e trabalhe de
graça para vocês que são uma instituição que pode pagar esse serviço
cultural...
- Não é um serviço que queremos: é só uma pecinha de teatro... uma
intervençãozinha, uma vivenciazinha, um recitalzinho, uma performancezinha,
uma...
- O que crio, produzo, senhor(a) não é assim. Pelo contrário: é
fruto de trabalho de estudo e pesquisa. Não tive ou tenho apoio financeiro de
nada e nem de ninguém. Os temas que trabalho sempre foram antecedentes às leis,
às políticas públicas ou às recomendações de organizações internacionais de
fomento à Educação, Educação Étnico-raciais, Cultura, Meio Ambiente, Direitos
Humanos, Ciências, Povos e Comunidades Tradicionais, etc.
- Foi por isso mesmo que te convidamos para essas ações...
- Por que não colocam essas ações no plano de trabalho de cada
ano? Por que não contratam ações como essas que está me solicitando? Pode ser através
de uma MEI, ME, EIRELI, ONG, Associação, por exemplo!
- Não trabalhamos assim!
- Disseram que o senhor tinha um trabalho admirável!
- Mas quem trabalha deve ter o direito de usufruir por seu ofício.
Por seus esforços, talento. Algo semelhante ao ditado: “Aranha vive do que tece”.
- ... Porém só estamos te convidando para dar uma palavrinha e
você aproveita e divulga teu trabalho! Não vejo nada demais!
- Vejo de menos, inclusive. Observemos: o obstetra, o gari, o
policial, o político, o motorista, a moça do caixa do supermercado... esses têm
o seu salário, gratificação, pró-labore, etc. para trabalharem... Por que
comigo e com meus colegas temos que receber proposta como essa?
- Ah, mas você pode vir para divulgar o teu trabalho, já disse,
aliás, nem sei se pode usar o espaço daqui para fazer merchandising!
- Querida, desde os anos 70 que eu atuo nessas áreas que você bem
mencionou. Eu não sou emergente! Sou um sobrevivente e como todo mortal que se preza, pago impostos, tributos, taxas, faturas (essas batem sempre à minha porta e não quer "uma palavrinha" e eu que não pague em dia)!
- Ah, todavia o senhor não é famoso, consagrado, não é nenhuma
celebridade...
- Não sou e do jeito que você me quer na tua instituição, eu nunca
sairei de onde estou, não pagarei minhas contas e nem vou sobreviver! Cacilda
Becker dizia: “Não me
peça para dar de graça a única coisa que tenho para vender”.
Querido parente.Eis um assunto que não se esgota.Ha uma lei básica de reciprocidade entre o tomar.Ninguem deve dar além do que pode e deve tomar apenas o necessário...
ResponderExcluirTodos precisam compreender as colaborações numa perspectiva dadivosa, em que é justo que se retribua por qualquer contribuição. Já estive na sua condição e sei como é difícil lidar com a lógica mesquinha do capitalismo no campo da cultura
ResponderExcluirInfelizmente aqueles que deveriam valorizar a pesquisa, por compreender como se produz conhecimento científico em qualquer área do conhecimento, acabam nos violentando.
ResponderExcluirUm pesquisador, agora precisa ser "celebridade" para ser valorizado?
Parabéns pelo seu trabalho.
ResponderExcluirParabéns pela competência e clareza na análise de uma situação que são impostas pela ausência de alteridade.
ResponderExcluirMuito bem lembrada a situação. Torço pela mudança. Quem sabe? Muita força pra continuar em seu caminho de resistência. Muito carinho e solidariedade. Um abraço amigo, Ademario.
ResponderExcluirCertíssimo! Chega de acharem que arte não é profissão
ResponderExcluirParabéns! O povo acha que arte não é profissão.
ResponderExcluirCaríssimo amigo Ademario, a maioria das vezes em que sou convidado passo por essa mesma situação. Independente de textos, livros, composições, canções e interpretação. Ainda existe o lado cultural e espíritual. Porém tenho de mostrar o meu trabalho, ser remunerado seria uma próxima meta. É essa a compreensão que tem a maioria das instituições de ensino!!!
ResponderExcluirParabéns amigo pela escrita .aliás ua profunda reflexão para a valorização daquele que pesquisa e contribui de maneira voluntária para a formação de outros
ResponderExcluirNão se deve dar pérolas aos porcos! Foi a recomendação de um sábio muito antigo, chamado Jesus Cristo. Parabéns, por tanta paciência, meu amigo!
ResponderExcluirInfelizmente a arte, a pesquisa, são relegados a um plano menor. O tempo dispendido.para se elaborar um trabalho de qualidade para não é valorizado. Digamos não à "palavrinha", à "performancezinha". Valorizemos o.nosso trabalho.
ResponderExcluirUm profissional dedicado com pesquisa realizada, formação acadêmica, produz conhecimento científico é detentor de saberes ancestrais, com trabalhos publicados,
ResponderExcluiré convidado à realizar palestras gratuitas porque pessoas desprovidas de noção profissional acreditam que devem usar seus conhecimentos, sua performance e a excelência do seu trabalho sem a devida gratificação. Lamentável a atitude e indecência das propostas...
Queridíssimas Amigas e queridíssimos Amigos: Liana, Ivan, Curandeira Preta, Eliane, Waniamara, Kelcilene, Márcio, Ambioverde, Jumara, Antônia e alguns que não puderam se identificar, estou muito feliz com retorno, carinho e abraço de vocês! Sinto-me mais leve e fortalecido para continuar! O que fizeram me comovem e me estimulam! A Luta Continua!!!
ResponderExcluirÉ de extrema importância que todas e todos que produzem cultura, saiba respeitar o seu ofício de maneira profissional e íntegra. Quando alguém se submete a não ser respeitado por seu trabalho, recebendo pelo mesmo, reforça a manutenção de absurdos como este. Então, que cada um de nós saiba se dar o devido valor, pois esperar isso desta sociedade, é o mesmo que esperar a galinha criar dentes.
ResponderExcluirO professor e amigo Tierre Jesus pediu-me pelo Whatsapp que postasse aqui o seguinte: "Muito bom!
ResponderExcluirSe nós não nos valorizarmos, quem o irá fazê-lo?".
Parabéns por sua dedicação é muito admirável! Compartilhar seu conhecimento e sua escrita conosco é algo enriquecedor!
ResponderExcluirSou Fotógrafa profissional, estudei e paguei vários cursos no SENAC para isso, passo pelas mesmas investidas que o amigo. As pessoas acham que não é nada demais fazer uma foto e dar para elas. Dar? nananinanão! Se me contratar eu faço, se não contratar meu serviço não sejam inconvenientes e chatos, tenho contas a pagar, sou gente como qualquer outra pessoa, preciso sobreviver 😎
ResponderExcluirA amiga Lígia Rodrigues de Vasconcelos, em mensagem pelo Whatsapp pediu-me que postasse aqui o seu comentário: "Como eu me identifico!
ResponderExcluirCerto período eu trabalhei em uma ONG, fazendo apresentações teatrais. O cachê era baixo, mas precisava tanto de alguma coisa... aceitei. Estudar o tema, criar o texto, confeccionar adereços, figurinos, investigar a maquiagem ideal. Ensaiar, ensaiar, ensaiar. Oferecer aos outros o melhor que podemos.
Sessões feitas em fábricas, escolas e feiras. Paguei pelo transporte e em alguns lugares, pela minha alimentação.
Na hora do pagamento: você tem que fazer pela causa, e não pelo dinheiro!
Nunca recebi o pouco que me prometeram.
Parente querido, isso faz tempo, mas me deixou mais atenta a desumanição...
Que difícil ser artista!".
A amiga Lígia Rodrigues de Vasconcelos em mensagem pelo Whatsapp pediu-me para postar aqui seu comentário abaixo: "Como eu me identifico!
ResponderExcluirCerto período eu trabalhei em uma ONG, fazendo apresentações teatrais. O cachê era baixo, mas precisava tanto de alguma coisa... aceitei. Estudar o tema, criar o texto, confeccionar adereços, figurinos, investigar a maquiagem ideal. Ensaiar, ensaiar, ensaiar. Oferecer aos outros o melhor que podemos.
Sessões feitas em fábricas, escolas e feiras. Paguei pelo transporte e em alguns lugares, pela minha alimentação.
Na hora do pagamento: você tem que fazer pela causa, e não pelo dinheiro!
Nunca recebi o pouco que me prometeram.
Parente querido, isso faz tempo, mas me deixou mais atenta a desumanição...
Que difícil ser artista!".
Disse tudo! A cultura é vista como uma ponta, algo menor para entreter a galera. Coisa de quem não tem o que fazer, só faltam dizer. Pesquisa, estudo etc tudo isto é balela! Coisa de preguiçoso. Resta saber por que ainda nos procuram... será que esta atividade "preguiçosa" dá algum sentido às suas vidas?
ResponderExcluirÉ isso, meu amigo. Artista, professores... Não podemos acostumar a trabalhar de graça!
ResponderExcluirO profissional de educação é mais um a ser explorado pelo Estado, tão carente de verbas e tão pobre de projetos de ações eficientes no ensino, meu caro Ademario. A profissão é daqueles que complementam salários, ou seja, bico.
ResponderExcluirE nem bico se faz gratuitamente.
Bico, se cobra mais caro, porque se faz vez por outra.
É uma situação que parece não se esgotar nunca. De fato, é um misto de descalabro e constrangimento. Eu na condição de professora de escola pública, já me vi nessa situação, na qual, tenho vontade, desejo pedagógico de trazer a participação de artistas, pesquisadores, para contribuir com o aprendizado dos
ResponderExcluirnossos educandos, mas nos falta verba, porque o sistema não valoriza tais práticas.
Queridas Pessoas: Jéssica, Lílian, Jaime, Tierre, Lígia e as que ficaram "anônimas", agradeço terem arrecadado um tempo e contribuído aqui com seus preciosos comentários! Que "amanhã seja outro dia!".
ResponderExcluirValeu, Marinalva!!!
ResponderExcluirÉ isso! Até quando??
ResponderExcluir